Fonte: Fantástico
Na delação, George
Olímpio conta que esquema foi negociado na residência oficial da então
governadora Wilma de Faria.
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Diretor do Detran, Érico Valério recebendo sua parte da propina |
Será possível alguém comprar o que não deveria estar à
venda? Por exemplo: comprar uma lei? Pois um empresário nordestino diz que fez
exatamente isso: distribui propina a vários políticos para aprovar uma lei que
era do interesse dele.
O homem que não quis ser identificado falou durante três
horas e meia para o Ministério Público. “Ou é 100 mil, que é o valor total do
mês, ou é 100 menos o valor que tinha sido antecipado”, afirma homem.
O empresário, que pediu para não ter o rosto gravado
durante o depoimento, é George Olímpio, doRio Grande do
Norte. O esquema delatado teria ocorrido entre 2008 e 2011,
quando George montou um instituto para prestar serviços de cartório ao Detran
do estado.
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Lauro Maia, estipulava os valores das propinas |
O instituto tinha a função de cobrar uma taxa de cada
contrato de carro financiado no Rio Grande do Norte. Mas segundo o Ministério
Público, nessa taxa estava embutido o custo da propina.
Na delação, o empresário conta que o esquema da propina
foi negociado na residência oficial da então governadora do estado, Wilma de
Faria, do PSB, hoje vice-prefeita de Natal.
“Eu fui chamado para uma reunião com Lauro Maia”, diz o
delator.
Lauro Maia é o filho de Wilma.
“Essa reunião foi dentro da casa da governadoria, dentro
de um gabinete que era o gabinete que Lauro recebia as pessoas para fazer
tratativas”, diz George Olímpio.
Segundo o delator, era Lauro quem determinava o valor da
propina de cada contrato de veículo financiado no estado. “Ficou definido que
para o governo ia R$ 15 por contrato. A média de contratos por mês girava em
torno de 5 mil”, conta.
O que daria, por mês, R$75 mil de propina para o
governo. Em março de 2010, a então governadora deixa o cargo para concorrer ao
Senado. Quem assume é o vice, Iberê Ferreira, também do PSB, hoje falecido.
Segundo a promotoria, ele também recebeu propina.
As investigações, que começaram em 2011, mostram que o esquema só era viável
porque o então diretor do Detran, Érico Vallério de Souza, recebia dinheiro.
“A gente marca o encontro no escritório, exatamente para
eu repassar esse dinheiro a ele. Todo mês era feito o encontro de contas”,
afirma o delator.
Neste mesmo período, o empresário George Olímpio investe
em um esquema mais audacioso: a compra de uma lei para tornar obrigatório a
inspeção veicular no estado.
“Você imagina um veículo acabou de sair da fábrica,
teria que pagar inspeção veicular”, afirma Paulo Batista Lopes Neto, promotor
de Justiça.
Para a lei ser aprovada rapidamente, George diz que
contou com a ajuda do deputado Ezequiel Ferreira, do PMDB, hoje presidente da
Assembleia Legislativa.
“Eu digo: de quanto é que seria essa ajuda? Aí o Ezequiel
me diz: George, uns 500 mil. Eu tenho como pagar 300 mil. Eu dou 150 quando for
aprovado e os outros 150 você me divide em três vezes”, conta o delator.
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Em troca de propina Ezequiel Ferreira deu uma mãozinha na provação da lei |
Na última sexta-feira (20), o procurador-geral da
Justiça denunciou Ezequiel, ou seja, entregou a acusação formal ao juiz por
crime de corrupção passiva.
“A lei foi aprovada com a dispensa de toda a burocracia legislativa. Não
passou, não tramitou em nenhuma comissão temática da assembleia”, afirma o
procurador-geral de Justiça Rinaldo Reis Lima.
O valor foi pago, mas a inspeção nunca chegou a
funcionar porque, ainda em 2011, o Ministério Público descobriu todo o esquema.
Na época, 34 envolvidos foram denunciados inclusive George Olímpio. Mas foi só
em 2014 que ele decidiu contar tudo.
“Ele estava se sentindo abandonado pelos comparsas,
pelos demais membros da organização criminosa e ele, temendo ser
responsabilizado penalmente sozinho, procurou o Ministério Público em troca de
colaborar para ter a obtenção de alguma espécie de benefício”, diz a promotora
de Justiça Keiviany Silva de Sena.
Em um dos trechos da delação George Olímpio cita José
Agripino, senador do DEM pelo Rio Grande do Norte. Diz que o senador pediu para
ele mais de R$ 1 milhão no ano de 2010.
O encontro entre o empresário e o senador teria sido no
apartamento de Agripino. “Subimos para parte de cima da cobertura de José
Agripino e começamos a conversar e ele disse que, ele José Agripino disse: 'É
George, a informação que nós temos é que você deu R$5 milhões para campanha de
Iberê'", afirma o delator.
Iberê era o governador na época. “Eu dei R$ 1 milhão
para campanha de Iberê. Ele disse: pois é, e tal, como é que você pode
participar da nossa campanha? Eu falei R$ 200 mil. Disse: tenho condições de
lhe conseguir esse dinheiro já. Estou lhe dando esses R$ 200 mil, na semana que
vem lhe dou R$ 100 mil. Ele disse: 'pronto, aí vai faltar R$ 700 mil para dar a
mesma coisa que você deu para a campanha de Iberê'. Para mim, aquilo foi um
aviso bastante claro de que ou você participa ou você perde a inspeção. Uma
forma muito sutil, mas uma forma de chantagem. R$ 1,150 milhão foram dados em
troca de manter a inspeção”, diz o delator.
Por telefone, Fantástico falou com José Agripino que
estava em Miami, nos Estados Unidos.
Fantástico: O senhor conhece George Olímpio?
José Agripino: Conheci
George Olímpio, é uma figura conhecida em Natal e é parente de amigos do meu
pai de muito tempo atrás, eu o conheci sim.
Fantástico: Ele
disse que já foi na casa do senhor em Brasília. Ele já foi, senador?
José Agripino: Teria ido. Ele foi na minha casa uma vez.
Fantástico: E este apartamento no Rio Grande do Norte
ele disse que esteve lá também? Ele já esteve nesse apartamento também?
José Agripino: Esteve
também.
Fantástico: Ele
disse que o senhor pediu mais de R$ 1 milhão para ele e este pedido foi feito
no apartamento do senhor.
José Agripino: Eu
nunca pedi nenhum dinheiro, nenhum valor a George Olímpio. E conforme ele
próprio declarou em cartório, não me deu R$ 1 milhão coisíssima nenhuma.
O senador enviou ao Fantástico o documento de 2012, que
George Olímpio teria registrado em cartório. “É uma infâmia, uma falta de
verdade. Está completamente falso e faltando com a verdade”, afirma José
Agripino.
Como senador, Agripino tem o chamado foro por
prerrogativa de função. Por isso, todo o material que se refere a ele foi
enviado para a Procuradoria-Geral da República.
O Fantástico procurou todos os outros citados.
Em nota, Wilma Faria diz que considera qualquer citação
ao seu nome nesse contexto como ilação caluniosa, injusta, desrespeitosa e
antidemocrática.
O filho dela, Lauro Maia, disse que desconhece o
conteúdo da delação de George Olímpio e, mesmo assim, repudia qualquer
afirmação de que teria participado em esquema criminoso.
O Fantástico não encontrou Érico Vallério, ex-diretor do
Detran, no prédio dele. A equipe deixou recado mas ele não ligou de volta.
O deputado estadual Ezequiel Ferreira de Souza diz que não recebeu a
notificação oficial da denúncia oferecida pelo Ministério Público e que no
momento oportuno provará a inconsistência do processo.
Em nota, a família de Iberê Ferreira disse que o
ex-governador, antes de falecer, negou as acusações feitas contra ele.
Mesmo com a delação premiada, George Olímpio é réu no
processo. E aguarda o julgamento em liberdade.
“O que nos impressionou é exatamente que toda a
investigação levada a efeito pelo Ministério Público e toda análise da prova
foi uma análise perfeitamente compatível com que de fato aconteceu, da forma
como George, posteriormente, narrou”, afirma promotora Keiviany Silva de Sena.