Enquanto o governo federal toma
medidas para facilitar o acesso da população a armamentos, caçadores de animais
silvestres têm recorrido a grupos no Facebook e a canais no YouTube para
compartilhar cenas de caçadas e dicas sobre a atividade que, exceto nos casos
da caça a javalis, é ilegal.

Grande parte das comunidades foi
criada a partir de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro publicou uma série
de decretos reduzindo as restrições aplicadas a colecionadores de armas,
atiradores esportivos e caçadores — grupo conhecido pela sigla CACs.
Os decretos, porém, não alteraram
o status da caça de animais silvestres, considerada crime no Brasil exceto
quando praticada por comunidades que dependem dela para sobreviver, como povos
indígenas e quilombolas.
O único animal passível de ser
caçado legalmente no Brasil é o javali, uma espécie exótica que ameaça
ecossistemas nacionais.
Caçadas com cachorros
No Facebook, um grupo fechado
criado em julho de 2019 e chamado "Caçadores de paca" conta com 74
mil membros de todas as regiões do Brasil.
Descrito como um espaço para a
"troca de informações sobre a espera de paca", um roedor nativo das
Américas, o grupo também agrega caçadores de várias outros animais silvestres,
como veados, tatus, jacarés, capivaras, quatis, mutuns, queixadas e onças. Descrito
como um espaço para a "troca de informações sobre a espera de paca",
um roedor nativo das Américas, o grupo também agrega caçadores de várias outros
animais silvestres, como veados, tatus, jacarés, capivaras, quatis, mutuns,
queixadas e onças.
A BBC News Brasil ingressou no
grupo, onde são compartilhadas centenas de fotos de animais abatidos. Em vários
casos, os caçadores aparecem com os rostos à mostra exibindo os bichos.
Há também vídeos de caçadas,
gravados com celulares ou câmeras acopladas às armas. Boa parte dos usuários
caça com o auxílio de cachorros, que encurralam os animais antes do abate.
Outros vídeos exibem cenas da
chamada caça de espera. Adeptos dessa modalidade costumam espalhar alimentos na
mata — ou "fazer a ceva", no jargão caçador — para atrair os animais.
Eles então montam redes ou estruturas elevadas para aguardar a chegada dos
bichos e alvejá-los por cima.
Outros usam o espaço para trocar
informações sobre armas — algumas delas sofisticadas, vendidas por alguns
milhares de reais em lojas especializadas.
Alguns compartilham infortúnios
no grupo. Um usuário publicou a foto de um cachorro morto por uma picada de
cobra durante uma caçada, e outro exibiu um cão com os olhos feridos após a
perseguição de um animal.
"Espreme limão que limpa. No
outro dia está bom, já curei muitos assim", comentou um participante.
'Criminoso desde criança'
Caçadores de animais silvestres
também têm formado comunidades no YouTube, como os canais "FAL
CAÇADOR", "só do mato caçador", "Caçadores Anônimos" e
"Pedrinho caçador sniper" — todos eles criados nos últimos dois anos.
Com 40 mil inscritos, o canal
"Alemão CAÇADOR!" exibe dezenas de vídeos com dicas sobre a caça de
animais como pacas, jabutis e macucos, uma ave nativa da América do Sul.
O responsável pelo canal, que se
identifica como Alemão e não mostra o rosto nos vídeos, defende em várias
gravações a legalização da caça de animais silvestres.
"Aqui podia ser
regulamentado caçar com responsabilidade, mas não é", ele diz num vídeo
com 160 mil visualizações em que descreve a caça de um veado mateiro.
"Sou criminoso desde
criança, porque eu caço desde pequeno mais (com) meu pai. Nós 'caçava' de
cachorro, fazia arapuca. Então, para mim, era meio de vida, era sobrevivência.
E hoje eu caço porque eu gosto, eu gosto demais disso aqui", conta.
Ao final da gravação, o YouTuber
exibe o veado alvejado, amarrado a um galho pelo pescoço. Há mais de 600
comentários no vídeo, a maioria elogiosos.
"Não tem coisa melhor no
mundo do que estar numa rede e escutar o bicho chegando na espera. Para quem
gosta... Você esquece todos os problemas", comenta um usuário identificado
como Marcelo Chumbão.
"Faço das suas as minhas
palavras, cresci vendo meu pai caçando e pescando para sobreviver... Caçar com
responsabilidade é o que precisamos", escreve outro usuário.
"Aqui podia ser
regulamentado caçar com responsabilidade, mas não é", ele diz num vídeo
com 160 mil visualizações em que descreve a caça de um veado mateiro.
"Sou criminoso desde
criança, porque eu caço desde pequeno mais (com) meu pai. Nós 'caçava' de
cachorro, fazia arapuca. Então, para mim, era meio de vida, era sobrevivência.
E hoje eu caço porque eu gosto, eu gosto demais disso aqui", conta.
Ao final da gravação, o YouTuber
exibe o veado alvejado, amarrado a um galho pelo pescoço. Há mais de 600
comentários no vídeo, a maioria elogiosos.
"Não tem coisa melhor no
mundo do que estar numa rede e escutar o bicho chegando na espera. Para quem
gosta... Você esquece todos os problemas", comenta um usuário identificado
como Marcelo Chumbão.
"Faço das suas as minhas
palavras, cresci vendo meu pai caçando e pescando para sobreviver... Caçar com
responsabilidade é o que precisamos", escreve outro usuário.
Nativo da África, Ásia e Europa,
o javali foi trazido ao Brasil para ser criado em fazendas, mas escapou,
tornando-se um problema para o equilíbrio ambiental e atividades agrícolas.
Desde 2013, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis) autoriza a caça da espécie.
Embora avalie que o controle é
necessário, Figueirôa afirma que muitos caçadores habilitados a matar javalis
também acabam abatendo outros animais silvestres que encontram nas caçadas.
O biólogo diz ainda que a
facilitação do acesso legal a armas no governo Bolsonaro enfraqueceu um dos
principas fatores que dissuadem caçadores de animais silvestres: a
possibilidade de serem presos por porte ilegal de armas.
"Naturalmente, se você
permite que mais pessoas tenham armas legalmente e saiam a campo para caçar
legalmente (javalis), você aumenta a chance de mais animais silvestres serem
caçados", afirma Figueirôa.
Em 2019, Bolsonaro publicou uma
série de decretos que facilitaram o acesso de caçadores, atiradores esportivos
e colecionadores (CACs) a armamentos e munições.
Para caçadores, antes sujeitos ao
limite de 12 armas, 6 mil munições e 2 kg de pólvora por pessoa, as mudanças
passaram a permitir a posse de até 30 armas, 90 mil munições e 20 kg de
pólvora.
No mesmo ano, segundo o Instituto
Sou da Paz, o número de registros ativos de CACs chegou a 396.955 — um aumento
de 50% em relação a 2018.
Impactos em toda a cadeia
alimentar
O biólogo Gustavo Figueirôa
questiona os critérios citados nos grupos de caçadores sobre animais silvestres
que poderiam ou não ser abatidos. Segundo ele, espécies com populações
numerosas em algumas regiões do país podem estar ameaçadas em outras.
É o caso, por exemplo, da paca,
espécie normalmente considerada abundante por caçadores, mas que se tornou rara
em alguns biomas nacionais, como a Mata Atlântica.
Alguns caçadores indicam ter
noção da escassez do animal. No grupo "Caçadores de paca", um usuário
exibiu em 19 de maio duas pacas abatidas no Rio de Janeiro, destacando que o
Estado "ainda tem" membros da espécie.
Figueiroa afirma ainda que, mesmo
que um animal abatido não esteja sob ameaça em determinada área, sua morte gera
consequências negativas no local.
A cutia, por exemplo, também
bastante visada por caçadores, é dispersora de sementes e ajuda a manter a
biodiversidade da floresta — além de ser presa de onças, que passam a dispor de
menos alimento quando o animal é caçado por humanos.
"Quando você mata um animal
que é presa de outros, você tira um elemento da cadeia que desequilibra todo o
resto", afirma.
Figueirôa diz que já denunciou ao
YouTube e Facebook vários grupos que promovem a caça de animais silvestres, mas
que as plataformas não tiraram os canais do ar e sugeriram que ele simplesmente
deixasse de segui-los.
Comunicado pela BBC News Brasil
sobre a reportagem, o Facebook excluiu o grupo "Caçadores de paca".
"O grupo foi removido por violar os Padrões da Comunidade do Facebook, que
claramente vedam posts que retratem ou promovam violência física contra
animais", disse a empresa, em nota.
Outros grupos na plataforma,
porém, ainda exibem vídeos da caça de animais silvestres — como o "Caça e
Pesca Brasil" e "cães de caça Brasília df".
Já o YouTube, que mantém no ar
todos os canais de caçadores apontados pela BBC News Brasil, disse em nota que
é "uma plataforma de vídeo aberta, e qualquer pessoa pode compartilhar
conteúdo, que está sujeito a revisão de acordo com as nossas diretrizes da
comunidade".
"Qualquer usuário que
acredite ter encontrado uma violação dessas regras pode fazer uma denúncia e
nossa equipe fará a análise do vídeo. Quando não há violação à política de uso
do produto, a decisão final sobre a necessidade de remoção do conteúdo cabe ao
Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o Marco Civil da
Internet", diz a empresa.
Principal órgão federal
responsável por combater crimes ambientais, o Ibama disse à BBC News Brasil
"que a exposição de conteúdos relacionados à caça de animais silvestres no
YouTube e Facebook tem forte impacto negativo para a preservação ambiental,
pois estimula a caça ilegal".
"Cotidianamente, o órgão
acompanha as denúncias presentes nas redes sociais e atua com base nelas,
investigando os responsáveis", completou o órgão.
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