O pagamento de servidores ativos e inativos estaduais consumiu, em
2018, mais da metade do orçamento em todos os 26 estados do Brasil e no
Distrito Federal, deixando poucos recursos para serviços e investimentos
. Em 12 deles, o percentual superou o limite de gastos com pessoal
estabelecido por lei previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF
), de 60% de suas receitas com salários e encargos. Outros quatro estão
próximos de estourar o limite, com percentuais entre 59% e 60%.
A situação mais preocupante é a do Tocantins, onde essa despesa
corresponde a mais de 80% de tudo o que é arrecadado pelo estado. Em
Minas Gerais, onde 78% da arrecadação está comprometida com a folha de
servidores, desde 2016 o governo tem adotado o pagamento escalonado de
salários do funcionalismo.
A crise enfrentada pelos estados poderá ganhar um novo capítulo nesta
quarta-feira, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da
ação que trata da possibilidade de redução de salários de servidores
públicos de qualquer ente da federação mediante a diminuição de jornada
de trabalho. O tema, que já foi pautado para ir ao plenário por três
vezes, mas sem conclusão, poder dar um fôlego às finanças estaduais.
Além de Tocantins e Minas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Rio Grande
do Norte, Acre, Goiás, Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de
Janeiro e Maranhão descumpriram o teto permitido de gastos, de 60%.
Bahia, Paraná, Santa Catarina e Sergipe estão em estado de alerta, com
percentual acima de 59% segundo o último relatório do Tesouro.
Dados dos últimos sete anos apontam para um quadro de expansão dos
gastos tanto dos ativos quanto dos inativos, alguns com crescimento mais
modestos que outros. Em média, entre 2011 e 2018, o crescimento real
(considerando a inflação do período), foi de 39,36%. Nesse período, o
Rio de Janeiro aumentou seus gastos com pessoal em 110%. Em valores
reais, o crescimento foi de R$ 24,1 bilhões, o maior crescimento entre
todas as unidades da federação. Atualmente, de cada R$ 10 arrecadados
pelo estado, um pouco mais de R$ 6 é destinado para folha salarial dos
servidores.
Apesar do cenário de expansão, as despesas brutas com ativos e
inativos dos estados sofreram queda real de R$ 985 milhões, entre 2017 e
2018. Um pequeno alívio na trajetória ascendente da dívida fiscal
desses entes. As variações vão desde um crescimento real de 13,3% (Acre)
até uma queda real de 10,7% (Rio Grande do Norte). No Rio, por sua vez,
o crescimento foi de 2,4%, abaixo da mediana dos estados, de 2,8%.
Segundo o economista Raul Velloso, o resultado das contas de 2018 é
fruto da adoção de medidas pontuais de ajuste, como aumento de alíquotas
de contribuição, falta de reajuste salarial e paralisação de concursos.
Além disso, foi impactado pelo ingresso de alguns estados, como Rio
Grande do Norte e Rio de Janeiro, no Regime de Recuperação Fiscal,
criado para fornecer instrumentos de ajuste fiscal para Estados com
desequilíbrio financeiro.
— Os estados têm poucas válvulas para lidar com essa crise — admite
Velloso. — Não têm como, com medidas superficiais, obter um resultado
muito forte. É só pensar no setor privado. Quando eles precisam fazer um
ajuste grande, mandam um monte de profissionais embora. Aí conseguem um
resultado rápido, pagam indenizações, mas se livram daquela despesa.
A despeito da crise orçamentária, as despesas com salários
permaneceram em alta nos últimos anos de recessão. Os gastos aumentaram
do equivalente a 5,32% do PIB, em 2015, para 6,9%, ou R$ 470,9 bilhões.
Nas últimas décadas, de acordo com do Atlas do Estado Brasileiro,
produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número
total de servidores públicos do país, nas três esferas de governo, sem
contar trabalhadores de empresas estatais, cresceu 83% em 20 anos,
passando de 6,264 milhões, em 1995, para 11,492 milhões, em 2016. No
mesmo período, o crescimento da população foi de 28%.
Apesar da diferença, o percentual de funcionários públicos em relação
ao total de ocupados formalmente no conjunto da economia – segundo
dados do antigo Ministério do Trabalho, que incluem as empresas públicas
– se reduziu de 22,3%, em 1995, para 17,4%, em 2016.
— Em grande medida, o setor público se manteve na mesma faixa das
pessoas com ocupação formal, se comparado com o total no setor privado.
Em termos absolutos houve aumento de vínculos, mas, no comparativo com
setor privado, você relativiza muito esse número — explica Félix Lopez,
técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e coordenador do estudo.
Segundo o relatório, o crescimento mais vigoroso dos vínculos de
trabalho no setor público municipal elevou a participação deste nível
administrativo de 38%, em 1995, para 57%, em 2016. Em sentido inverso, o
total de vínculos no setor público estadual caiu de 47% para 33%, no
mesmo período.
Uma das razões é o crescimento do número de municípios do país; de
1985 a 2003 foram criados 1.456 novos municípios, o que representa
expansão de 35%. Atualmente, quatro em cada dez servidores municipais
são professores, médicos ou enfermeiros.
Para analistas, um melhor ajuste depende de uma reforma
administrativa nos estados brasileiros, discutindo o emaranhado de
carreiras e regras distintas de cada uma, além das progressões salariais
aceleradas, que também podem ser vistas no governo federal. Uma mudança
no regime previdenciário de estados e municípios também surge como
alternativa para reversão da trajetória crescente da folha de
pagamentos.
Entre 2017 e 2018, estados como Espírito Santo e São Paulo tiveram
crescimento negativo de gastos com ativos, em parte pela contenção dessa
despesa, com crescimento inferior ao da inflação. No entanto, houve
crescimento real das despesas com inativos, a maior preocupação dos
analistas no médio prazo.
— Nenhum dos estados trata do assunto de maneira estrutural. Acredito
que para que haja uma solução de fato, é necessário a reforma
previdenciária dos RPPS (Regime de Previdência dos Servidores Públicos)
dos estados e municípios, além de uma reforma administrativa,
principalmente para melhorar os incentivos à progressão de carreira e
com consequente melhora da prestação dos serviços públicos — afirma
Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.
Para Vilma, uma eventual decisão do STF no sentido de permitir a
redução salarial dos servidores em caso de diminuição da carga horária
deve ser analisada com cuidado pelos agentes públicos, a fim de não
prejudicar serviços essenciais.
— Se reduzir a jornada de trabalho dos policiais, como ficará a
prestação de serviços de segurança? Se for servidores que possuem
ociosidade e que não existe déficit na área, acho que seja válido sim.
Mas tem que ser olhado caso a caso. O impacto vai depender dessa
análise, para saber em que casos se aplicam a medida ou não — afirma.
Na avaliação de Velloso, o impacto financeiro de uma decisão
favorável do STF não deve ser expressivo nas contas estaduais, mas
poderá gerar um alívio para realização de futuros ajustes, como
administrativo.
— Não deverá ser expressivo, mas para o cara (secretário) que está
fazendo das tripas coração para sobreviver, qualquer ganho é ganho, mas é
perda de tempo de jogar fichas nisso (redução de salários e jornada) —
conclui.
O Globo
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