Estadão
SÃO PAULO - A Vale e suas mineradoras e empresas subsidiárias espalharam influência em 25 Estados e no Congresso Nacional
ao distribuir, por meio de doações oficiais e legalizadas, recursos que
somaram R$ 82,2 milhões a deputados, senadores, governadores e aos três
candidatos mais votados à presidência, segundo levantamento do Estadão Dados.
No total, 139 parlamentares estaduais e 101 federais, além de sete
governadores e dez senadores, foram eleitos em 2014 - para a legislatura
que se encerra agora - com alguma participação dessas mineradoras em
suas campanhas.
Especialistas ouvidos pelo Estado
apontam que a relação de mineradoras com políticos pode ter sido
crucial para frear a imposição de regras mais rígidas para o setor,
mesmo depois do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015. Doações de empresas a políticos já não são mais permitidas.
O valor doado colocou a Vale entre os maiores protagonistas de financiamento de campanha em 2014, em um patamar só comparável à JBS,
empresa de alimentação que informou em delação premiada ao Ministério
Público o caráter ilegal dos recursos doados. As doações da mineradora
são concentradas em Estados onde desenvolve operações volumosas, como em
Minas (18%), Pará (9%) e Espírito Santo (8%), mas compreende uma gama
ampla de partidos e ideologias, do PC do B ao PSL, com destaque para
políticos do PMDB e PT; no total, candidatos de 27 partidos diferentes
receberam doação dessas mineradoras.
O cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV)
Cláudio Couto vê uma ligação direta entre as doações e a defesa da
agenda da doadora. “A empresa espera que o político defenda seus
interesses, e isso não significa agir necessariamente de forma corrupta
para facilitar algo. Mas que defenda um marco regulatório nos moldes
desejados, por exemplo”, explica. “E isso não é peculiar ao setor da
mineração. Acontece com a Taurus (fabricante de armas), quando ela doa para a 'bancada da bala'. Acontece com vários setores”, acrescenta.
A miríade de doações da Vale fez com que políticos
que receberam valores da mineradora fossem maioria entre os eleitos,
como é o caso do Espírito Santo, onde oito dos dez deputados federais
receberam doações da mineradora. A porcentagem é alta também entre os
eleitos para o Congresso Nacional por Minas (64,5%), Sergipe (50%) e
Pará (47%). Nas assembleias estaduais, o padrão é o mesmo: 16 dos 24
deputados estaduais do Mato Grosso do Sul receberam dinheiro da Vale, 24
dos 41 no Pará e 45 dos 77 em Minas.
“A Vale nem me procura porque sabe que não vou aceitar (doação)”,
diz o deputado estadual de Minas João Vitor Xavier (PSDB), autor de um
projeto que previa maior rigor na fiscalização de barragens e pretendia
desativar modelos como o de Brumadinho.
Em julho do ano passado, sua proposta acabou reprovada na Comissão de
Minas e Energia da Assembleia por três votos a um. Dois dos três que
votaram contra receberam doação da Vale em 2014.
“Durou 30 segundos a análise e eles votaram contra.
Passamos oito meses desenvolvendo a proposta junto à população,
Ministério Público e Ibama, mas eles não quiseram ouvir os argumentos
técnicos e preferiram ouvir as mineradoras”, diz. Reeleito para mais um
mandato, Xavier promete encampar novamente o projeto, dessa vez
“esperançoso por mudança”.
Ainda que diga que não recebeu doação da Vale, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que Xavier recebeu
indiretamente R$ 465 da Mineração Corumbaense, empresa subsidiária
integral da Vale no Mato Grosso do Sul - há ainda uma doação indireta da
Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) no valor de R$ 80
mil. A CBMM é umas gigantes da mineração, mas não pertence à Vale. Com
ela e outras empresas do setor, as doações das mineradoras a todos os
políticos ultrapassaram a casa dos R$ 100 milhões.
Além da Corumbaense, este levantamento específico
sobre a Vale leva em consideração doações feitas pela Minerações
Brasileiras Reunidas e Salobo Metais, além de outras subsidiárias que
levam o nome da empresa, como a Vale Mina do Azul, operação no Pará.
O deputado Thiago Cota foi um dos que votaram contra o
projeto do deputado João Vitor Xavier na Assembleia de Minas. O TSE
aponta que ele recebeu R$ 50 mil da Corumbaense, mas ele nega ter agido
pela empresa ao ajudar a derrubar a proposta. “Não defendo empresas
específicas, e sim o segmento da mineração por entender que ele gera
mais de 500 mil empregos diretos, indiretos e induzidos, o que movimenta
positivamente a economia de nosso Estado, mas jamais defendi uma
mineração que não prezasse pela segurança ambiental, social e pela
sustentabilidade”, afirmou, em nota.
Sobre as doações, ele reitera que elas ocorreram de
forma legal, “uma vez que a legislação permitia, à época”. “Os recibos
foram devidamente apresentados ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e a prestação de contas foi aprovada.”
O levantamento do Estado
considerou doações diretas ou indiretas, ou seja, à época, os recursos
podiam ser transferidos da empresa para diretórios dos partidos ou
candidatos, para só então serem depositadas para o político. O TSE, no
entanto, registrou todo o caminho e exigiu a identificação do chamado
doador originário.
O Estado realizou
questionamentos à mineradora Vale sobre o assunto. Foi perguntado com
que fins institucionais a empresa realizou essas doações, como foram
escolhidos os candidatos que receberam recursos, por que as doações são
mais volumosas nos Estados onde há mais operações da Vale, se a Vale
manteve contatos com os parlamentares eleitos com ajuda da empresa e se
há uma nova política para doação por pessoa física. As perguntas não
foram respondidas.
Para 138 legisladores, doações da Vale foram importantes
O levantamento mostra que as doações foram mais
importantes para cerca de 138 legisladores eleitos. Para esse grupo, as
doações da mineradora representaram mais de 10% do volume total de
recursos gastos em cada campanha, ou foram superiores a R$ 50 mil.
Entre os 138 há 76 deputados da Câmara dos Deputados
ou 15% da casa, vindos de 22 Estados. Se fosse um partido, seria a maior
bancada do Congresso. Esse “partido” teria 16 deputados de Minas, sete
da Bahia e do Pará, seis de São Paulo, Rio e Espírito Santo , quatro em
Pernambuco e Rio Grande do Sul; três em Sergipe e Paraíba; dois no Piauí
e Paraná, e um em mais dez estados.
Nas assembleias estaduais, as doações da Vale foram
importantes para 21 deputados estaduais de Minas, 12 do Espírito Santo,
oito do Pará, cinco do Mato Grosso do Sul, quatro de Sergipe, dois do
Ceará e do Pernambuco e um de mais oito estados. Ou seja, 40% dos
deputados estaduais capixabas e 20% dos mineiros e paraenses receberam
quantias significativas da mineradora em suas campanhas eleitorais.
No caso mais extremo, as doações da empresa
representaram 48% do que recebeu o deputado Helder Salomão (PT-ES). Isso
se repete com os deputados Lucio Vale (PR-PA; 46,6%) e Geraldo Resende
(MDB-MS; 43,92%). No caso dos deputados estaduais, as doações também são
relevantes, como para o Doutor Hércules (MDB-ES/ 58,8%) e Audic Mota
(MDB-CE/ 54%).
Em Minas, só um projeto pós Mariana avançou; ‘lobby da mineração agiu’, diz deputado
Após o desastre em Mariana, a Assembleia Legislativa
de Minas formou a Comissão Extraordinária de Barragens. O grupo formado
por onze deputados encerrou os trabalhos em 2016 com a proposição de
três projetos de lei, além de outros encaminhamentos. Entre as
propostas, só uma, a menos abrangente, foi aprovada e está em vigor. As
demais ficaram pelo caminho e, segundo deputados, foram alvos do “lobby
da mineração”.
A mudança aprovada prevê que os recursos arrecadados
por meio da cobrança da taxa a empresas sejam direcionados integralmente
para a Secretaria do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável
(Semad), o que pode resultar em reforço nas atividades de fiscalização,
por exemplo.
Já as propostas que ficaram pelo caminho previam
medidas mais efetivas, como proibição de modelos de construção de
barragens, desenvolvimento de políticas de assistência a afetados por
essas estruturas, além de licenciamentos mais exigentes quanto à
proximidade com a população e mananciais, por exemplo.
“A pressão das mineradoras fez com que um dos projetos sequer fosse posto para votação. Escutava de vários deputados: ‘esse (projeto)
não passa’”, disse o deputado Rogério Correia (PT). Questionado sobre
quem teria agido dessa forma e como se configurava o chamado “lobby da
mineração” na Assembleia, Correia disse que “basta ver o mapa dos
deputados que recebeu recurso (de doação de campanha)”. “Não vou citar nomes.”
O remédio para a pressão das mineradoras, diz o parlamentar, era a pressão social. “O MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem) nos ajudou, mas essa pressão acabou sendo insuficiente para fazer os projetos andarem”, acrescenta Correia.
Ele diz esperar que, diante de uma nova tragédia, a
pressão das mineradoras diminua. “Agora, as exigências precisam ser
radicalizadas.” O projeto derrotado na Comissão de Minas e Energia do
Legislativo mineiro deverá ter um substitutivo apresentado em uma nova
comissão visando à tramitação até o plenário. “Temos de chegar a um
consenso para aprovação rápida, sem sermos afetados pelo lobby”,
acrescenta.
A relação entre lobby e doação de campanha parece ser
mais complicada do que Correia sugere. Não são poucos os deputados que
receberam quantias significativas de mineradoras, mas dizem agir de
forma imparcial sobre o tema. O deputado Paulo Guedes (PT) é um deles.
De acordo com o TSE, as doações de mineradoras a Guedes somaram mais de
R$ 400 mil, de forma direta ou indireta, por meio do diretório do
partido.
Mas ele relativiza. “As doações são legais e foram
enviadas pelo partido. Não tenho relação com mineradora, não tenho rabo
preso com ninguém e isso não interfere em nada na minha atuação”, diz.
“Nunca votei em defesa da mineração ou da forma brutal como ela atua”,
acrescenta.
Guedes, que se elegeu deputado federal, disse que
agora há novas expectativas de mudanças na legislação. “Infelizmente no
Brasil, só se lembra das coisas depois que a desgraça já está feita. O
acidente obriga a todos a tomarem atitudes mais coerentes e mais
práticas, cobrando de forma mais clara as empresas”, diz. “Não podemos
nos calar diante de uma segunda tragédia.”
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