quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Como a ‘bancada da mineração’ inibe projetos para prevenir tragédias com barragens


A tragédia de Brumadinho, que já ocasionou mais de 80 mortes, despertou manifestações de indignação de políticos de diversas vertentes ideológicas. A bolsonarista Joice Hasselmann (PSL-SP) disse em seu perfil no Twitter que “o desdém com a vida do nosso povo parece não ter fim. Somente o MEDO da punição pode evitar crimes como este”. Ela fala sobre a possibilidade da instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso, proposta também levantada pelo deputado federal Rogério Correia (PT-MG).
As mobilizações, entretanto, costumam ter pouco efeito no caso de tragédias como a ocorrida em Minas Gerais. O desastre de Mariana, em novembro de 2015, motivou também discursos inflamados e projetos apresentados por diversos deputados, mas as iniciativas acabaram engavetadas do Congresso Nacional. Eram propostas como a tipificação como crime hediondo de falhas como o rompimento de barragens e a obrigatoriedade da apresentação de um plano de emergência para situações do tipo.
Parte da explicação deste insucesso vem do fato de que muitos deputados têm ligações com empresas do setor. A “bancada da mineração” reúne parlamentares de diferentes partidos, interessados em se vincular a uma atividade que gera 200 mil empregos diretos e responde por 21% das exportações brasileiras.
O deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG), que não foi reeleito em 2018 e atualmente é subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, figura como o principal nome do grupo. Ele teve grande parte de sua campanha em 2014 financiada por mineradoras – na época em que as doações de recursos por pessoas jurídicas eram permitidas – e se tornou célebre por, em 2015, apresentar à Câmara um projeto para o Código de Mineração que havia sido redigido em um escritório de advocacia que atendia a Vale e a BHP, outra gigante do ramo.
Mas Quintão não é o único a dialogar com as empresas do setor. As doações eleitorais de 2014 mostram que parlamentares de todos os principais partidos foram contemplados com recursos de mineradoras. Entre eles o atual presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara, Marcelo Squassoni (PRB-SP), e dois de seus antecessores no comando do colegiado: Jhonatan de Jesus (PRB-RR) e Rodrigo de Castro (PSDB-MG).
O tucano Castro recebeu R$ 300 mil da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) em 2014. A empresa – propriedade do grupo Moreira Salles, dono do Itaú – abriu os cofres para contribuir para a campanha de diversos parlamentares naquele ano. Doações de R$ 100 mil foram enviadas a concorrentes como Eduardo da Fonte (PP-PE), Antonio Imbassahy (PSDB-BA) e Vicentinho (PT-SP).
Mas os repasses a parlamentares de Minas Gerais foram os mais expressivos. Petistas, tucanos, membros de PSB, PROS e outros partidos estiveram na lista dos beneficiários da CBMM, que também contou com a então candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT).
O vice-presidente da Câmara e atual candidato ao comando da Casa, Fábio Ramalho (MDB-MG), foi outro contemplado: à época no PV, ele teve uma doação de R$ 100 mil. O próprio Rogério Correia, que agora sugere uma CPI, foi indiretamente contemplado com R$ 1.005 da CBMM em 2014. A verba que abasteceu sua bem-sucedida campanha para deputado estadual chegou inicialmente aos cofres da campanha do correligionário Reginaldo Lopes (PT-MG), candidato a deputado federal.
Na atual composição da Comissão de Minas e Energia, os cinco deputados de Minas Gerais contaram com recursos de empresas de mineração na campanha de 2014. São eles: Bilac Pinto (DEM), Renato Andrade (PP), Gabriel Guimarães (PT), Jaime Martins (PSD) e Luís Tibé (Avante).
Mesmo com a proibição das doações de recursos por pessoas jurídicas, que valeu nas eleições federais pela primeira vez em 2018, a influência do setor de energia se fez presente. O segundo maior doador do país foi Rubens Ometto, proprietário da Cosan. Seus recursos contemplaram 11 membros atuais da Comissão de Minas e Energia da Câmara.
Produtividade irregular
A Comissão de Minas e Energia da Câmara, assim como os outros colegiados, teve sua atividade prejudicada pelo ano eleitoral de 2018. O grupo fez 52 reuniões em 2017, contra 29 no ano seguinte.
A pauta do colegiado costuma ficar a reboque dos grandes temas do momentos. Em 2018, por exemplo, grande parte das atividades do colegiado foi direcionada à greve dos caminhoneiros, motivada pelo aumento do preço dos combustíveis. Outro tema que recebeu atenção dos parlamentares foi a privatização da Eletrobras, idealizada no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) mas ainda não concretizada.
A força da bancada, aliás, foi bem sentida pelo governo federal no fim de 2017, quando a Medida Provisória 790, baixada pelo Palácio do Planalto em 25 de julho daquele ano, teve sua vigência encerrada – “caducou”, na linguagem do Legislativo. A norma tinha como objetivo modificar regras para a mineração, mas acabou encontrando resistências por divergências na remuneração a estados produtores de minério, como Minas Gerais e Pará. Com isso, sua tramitação não foi concluída pelo Congresso Nacional. A situação não é habitual – a maior parte das medidas provisórias acaba sendo transformada em lei.
Os novos deputados federais e senadores tomarão posse na sexta-feira (1º), exatamente uma semana após a tragédia de Brumadinho. O assunto deverá permear os discursos de parlamentares de diferentes partidos e estados nos próximos dias. A dúvida que fica é se dessa vez a indignação se converterá em atos concretos, ou seguirá o rumo tomado após o desastre de Mariana.


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