
O ato de marcar os corpos com símbolos não é de hoje.
Há indícios científicos, através de múmias encontradas por arqueólogos,
que pelo menos no Antigo Egito a humanidade já marcava a pele com
desenhos adornados com tinta. Acredita-se que as tatuagens eram usadas
para identificar clãs ou grupos, ou mesmo possuíam cunho religioso.
Saindo da Antiguidade e chegando à contemporaneidade, as chamadas
“tattoos” tornaram-se artifícios estéticos ou até símbolos com
significados pessoais para quem adere ao estilo.
O mesmo ocorre no mundo do crime. Criminosos costumam
fazer desenhos ou escrever códigos na pele como forma de mandar
mensagens uns para os outros ou mesmo destacar traços de suas
personalidades. Palhaços macabros, imagens demoníacas, códigos em
números e letras, armas, animais e até elementos míticos como o
Saci-Pererê e duendes, ou mesmo representações religiosas como o próprio
Jesus Cristo são usados por criminosos de maneira oculta em suas peles
para se comunicarem entre si.
Segundo a cientista social e antropóloga especialista
em sistema prisional, Hilderline Câmara de Oliveira, as tatuagens para
os criminosos nas cadeias possuem representação própria, tornando-se uma
espécie de linguagem paralela. “As tatuagens são antigas, remontam o
início da história. As tatuagens que a sociedade civil utiliza têm uma
representação diferente no sistema prisional. Para a gente, por exemplo,
a borboleta significa liberdade e beleza; no sistema prisional o
apenado com a borboleta é especialista em fugas”, disse.
Comprovadamente desde o início do século II, conforme
explicou a cientista social, criminosos se tatuam. À época os símbolos
serviam para indicar a sexualidade ou os crimes de homicídio.
Em 2014, Hilderline Câmara finalizou sua tese de
doutorado sobre a linguagem utilizada nas cadeias potiguares. Intitulado
“A Linguagem do Cotidiano Prisional”, a obra é fruto de um trabalho de
análise e entrevistas feitas pela estudiosa nas penitenciárias estaduais
de Alcaçuz e Parnamirim. Além de gírias adotadas por apenados, o livro
também apresenta um mini manual de algumas tatuagens usadas por internos
do sistema prisional estadual.
“Identifiquei que praticamente todos os apenados
tinham uma tatuagem, que tinha um significado diferente. Muitas dessas
tatuagens eram feitas pelos próprios apenados e outras eram feitas pelo
grupo em si para identificá-los. Dentro do universo prisional tínhamos
em média sete grupos de presos diferenciados: os presos que trabalham,
os que não podem receber visita, os presos que desenvolvem alguma
atividade na unidade, os presos religiosos. Todos são separados e 90% da
população carcerária tinha algum tipo de tatuagem”, destacou.
Segundo ela, nas prisões há até uma máquina
improvisada de tatuagens feita com canetas, baterias portáteis, pedaços
de ferro do tamanho de lápis, agulha e plástico fundido. A tinta para os
desenhos são de caneta ou de tecido.
Em torno disso, um comércio paralelo, de acordo com
Hilderline Câmara, acabou surgindo. Para retocar as imagens, que
desbotam mais rápido do que com uma tinta profissional, os detentos
devem pagar uma quantia tabelada dependendo do tamanho e local. As
agulhas, vale destacar, não são descartáveis. Assim, várias pessoas são
tatuadas com o mesmo material.
Tatuagens ajudam nas abordagens, diz PM
A Polícia Militar do Rio Grande do Norte diz que
possui uma espécie de manual de tatuagens usadas por criminosos no
estado. As informações ajudam os policiais nas abordagens nas ruas. Para
o tenente-coronel PM Eduardo Franco, as tatuagens são instrumentos de
auxílio para policiais no momento de abordar algum suspeito. Até
testemunhas, ele comenta, muitas vezes lembram-se do criminoso por causa
de alguma tatuagem característica.
“É mais fácil um policial na rua identificar um
criminoso e fazer a abordagem. Mas é bom deixar claro que não usamos
como critério determinante para tal. É só um auxílio na abordagem”,
esclarece.
Entretanto, o PM ressalta que as marcas nos corpos
não são e não devem ser alvo de preconceito ou criminalizadas por
agentes de segurança ou a população em geral. “Não temos que
estigmatizar quem faz tatuagens. A gente tem PMs com tatuagens,
inclusive com caveiras [desenhos populares entre criminosos]. Hoje esses
desenhos são normais”, complementa. “Mas há tatuagens que tipificam
crimes sim. A tatuagem tem significado de arte e simbolismo, mas tem
também um viés de pertencimento ao crime dependendo de quem faz”,
afirmou.
Por exemplo, as carpas – espécie de peixe – são
símbolos que podem indicar: se apontado para cima, a força para lutar e
alcançar os objetivos; se apontado para baixo, que a pessoa já alcançou
seus objetivos de vida. Ou mesmo é um desenho escolhido por estética. Já
no crime, a carpa ganha outra simbologia: a maioria dos que tatuam tem
passagens por tráfico de drogas e formação de quadrilha. Em posição
ascendente, indica status em um grupo criminoso; em posição descendente
ou com cabeça de dragão, o sujeito tem um lugar privilegiado na
quadrilha.
Significados
Ying Yang (PCC ou 1533)
O símbolo oriental do Ying Yang, que representa a
dualidade existente no universo, é muito popular. Tanto que o Primeiro
Comando da Capital (PCC), facção criminosa paulista, resolveu adotá-lo.
Membros da organização costumam ter o desenho em alguma parte do corpo. A
facção também é adepta da própria sigla “PCC”, do escorpião – como
ocorre na Bahia – e dos algarismos “1533” – “15” para a letra “P”, de
acordo com a sequência alfabética, e “3” em referência à letra “C”.
RN (ou 1814)
Com o surgimento da facção criminosa potiguar
Sindicato do RN, marcas foram criadas para identificar seus membros. As
iniciais “RN” – em alusão ao estado – ou os algarismos “1814” – 18
representando a letra “R”, e 14 a letra “N”, de acordo com a sequência
alfabética – são os preferidos da organização.
Diabo
Mais difundido entre homicidas que sentem prazer em matar e não se arrependem. Geralmente fica nas costas do tatuado.
Jesus Cristo ou Nossa Senhora
Jesus Cristo, Nossa Senhora ou mesmo uma cruz nas
costas em, geralmente, grandes medidas, significa que aquele é um
indivíduo perigoso. Em outras partes do corpo pode significar
simplesmente proteção. No peito, Jesus Cristo pode significar que o
preso cometeu latrocínio.
Borboleta
Se muitas pessoas tatuam borboletas como simbolismo
para liberdade e beleza, no mundo do crime o animal serve para indicar
criminosos especialistas em fugas.
“Vida Loka”
O termo é usado por criminosos que não têm crenças e
não têm medo de seus atos. Na maioria das vezes é desenhada nas costas,
mas pode estar em qualquer parte do corpo.
Folha de maconha
O sujeito é usuário ou traficante de drogas.
Caveira com punhal
O combinado entre caveira e punhal indica que o
criminoso é um membro respeitado no mundo do crime, geralmente ligado a
homicídio de policiais.
Palhaço ou o Coringa
A tatuagem do palhaço (geralmente com aparência
macabra) pode ter mais de um significado: que o criminoso a que ela
pertence é um assaltante, faz parte de uma quadrilha ou mesmo é um
assassino de policiais. Se o desenho está acompanhado de uma caveira ou
uma arma, é quase certo que se trata de um matador de policiais. Não é
incomum, em vez de palhaço, o Coringa – o arquinimigo do Batman – ser
usado.
Pontinhos
Até pontos nas mãos semelhantes a sinais na pele
significam algo: um ponto é que o indivíduo é um ladrão de carteiras;
dois pontos é que ele é um estuprador; três pontos é traficante; quatro
pontos é que ele pratica furto; cinco pontos cruzados significa roubo e
uma cruz pontilhada indica homicídio.
Cadeado
Segundo a especialista em sistema prisional
Hilderline Câmara, no Rio Grande do Norte um preso com desenho de
cadeado não é considerado confiável pelos colegas apenados. Ele faz
qualquer negociação com a justiça para sair da prisão. Prisioneiros que
já denunciaram outros criminosos podem ser obrigados a marcar a pele com
o desenho. Em outros sistemas, o arame farpado é o símbolo escolhido.
Coração com flecha
Marcas de indivíduos que já sofreram abuso sexual na cadeia ou se declaram homossexuais.
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