Antagonista e comentarista da Jovem Pan.
Em 7 de agosto de 2016, após Donald Trump vencer as primárias do
Partido Republicano para enfrentar Hillary Clinton na eleição geral, o
colunista James Rutenberg começou um artigo no New York Times com a
seguinte pergunta:
“Se você é um jornalista que trabalha e
acredita que Donald Trump é um demagogo que joga com as piores
tendências racistas e nacionalistas da nação, que ele se aproxima de
ditadores antiamericanos e que ele seria perigoso com o controle dos
códigos nucleares dos Estados Unidos, como diabos você deve cobri-lo?”
Há duas respostas condizentes à tradição do jornalismo: a primeira é
que, se você é exclusivamente um repórter, deveria cobri-lo do mesmo
modo que cobre qualquer pessoa com quem simpatize, prezando pela isenção
na apuração e na exposição dos fatos, independentemente das suas
crenças e posições pessoais. A segunda é que, se é incapaz de fazer
isso, não deveria cobri-lo ou ser autorizado a tanto pelo seu chefe.
Mas nenhuma dessas respostas é a que Rutenberg deu.
Citando um editor que chamou Hillary Clinton de "normal" e Trump de
"anormal", Rutenberg sugeriu que "padrões normais" não se aplicavam.
Ele admitiu que “o equilíbrio está de férias” desde que Trump começou a
fazer campanha, e terminou declarando que “o trabalho do jornalismo é
fiel aos leitores e telespectadores, e fiel aos fatos, de uma forma que
resista ao julgamento da história”.
O artigo até hoje é citado na
parte jamais traduzida na imprensa brasileira do debate público
americano – a não esquerdista – como uma tentativa de justificar a
cobertura enviesada do Times e ainda uma voz de comando aos jornalistas
anti-Trump, dizendo-lhes que era aceitável ser tendencioso, afinal a
história os julgaria.
Tanto que, semanas depois, Dean Baquet,
editor executivo do Times, disse a um entrevistador que o artigo de
Rutenberg “pregou” seu pensamento e o convenceu de que a luta pelo
equilíbrio havia acabado. “Acho que Trump acabou com essa luta”, afirmou
Baquet, terceirizando a responsabilidade pelo rebaixamento dos
critérios jornalísticos.
Como o Times é a nave-mãe da imprensa de
esquerda, as portas foram abertas para que Trump fosse rotineiramente
chamado de mentiroso, traidor, racista e até Hitler.
Quase todos
os veículos proeminentes demonizavam Trump e efetivamente apoiavam
Hillary, em capítulo vexaminoso de partidarismo na história do
jornalismo americano.
E nem o fracasso desse esforço produziu uma
mudança de comportamento. Após a vitória de Trump, cuja possibilidade
não foi sequer vislumbrada por esses veículos e seus tradutores no
Brasil (na grande mídia, fui o único a considerá-la ao longo de toda a
corrida a eleitoral), tentou-se culpar uma intervenção russa e alegadas
fake news disseminadas nas redes sociais, como se a imprensa não tivesse
disseminado nenhuma.
(A mais emblemática delas, para citar só um
exemplo: a de que Trump ridicularizou a deficiência de um repórter do
próprio Times.)**
Em 24 de maio de 2018, o Brasil teve a sua versão discreta do artigo de Rutenberg.
No segundo episódio do Foro de Teresina, podcast de política da Revista
Piauí, da qual é editor, Fernando Barros e Silva relatou o seguinte a
Malu Gaspar e José Roberto de Toledo:
“Eu conversei com quatro
colegas em cargo de chefia ou que tem grande visibilidade nos veículos
em que atuam, foi uma conversa em ‘off’, ela estava falando do debate
interno do veículo, como que o veículo está discutindo a candidatura do
Bolsonaro. A Folha, ouvi entre outras coisas, tem a avaliação que o
colunismo político do jornal é, e vai ficar mais ainda, massivamente
contra o Bolsonaro; e a reportagem, isso não só na Folha, de uma maneira
geral, vai tentar pegar o Bolsonaro de qualquer jeito, na linha: ‘Como
posso prejudicar o Bolsonaro fingindo que estou fazendo jornalismo?’”
Esta linha precisará ser sempre lida, relida e ouvida por quem quiser
entender o que houve no Brasil em 2018. O editor da Piauí, cujo conteúdo
digital é publicado pela Folha de S. Paulo, confessou sem pudor, em
áudio, a dissimulação cínica que embasaria a produção do noticiário da
imprensa, não apenas dos artigos de opinião.
E, assim como nos
EUA, nem o fracasso desse esforço no primeiro turno (em 7 de outubro)
produziu uma mudança de comportamento. Ao contrário, quando surgiu (em
14 de outubro) um artigo intitulado “A imprensa precisa fazer
autocrítica”, o entendimento foi que ela não prejudicou Bolsonaro o
bastante.
No texto, a colunista Fabiana Moraes, da Piauí, afirmou
que o jornalismo diário brasileiro “confunde, desorienta” o público
“quando não nomeia as coisas pelo que elas são”. “Um exemplo: quando
chama crime de ‘polêmica’. Ameniza, doura a pílula, deixa soft.” Para
ilustrar a tese, ela primeiro critica uma edição antiga da revista
Placar sobre o ex-goleiro Bruno, que matou Eliza Samudio. A crítica à
abordagem jornalística de um assassino, portanto, introduz a crítica à
abordagem de Bolsonaro.
Pulemos para esta última:
“No
domingo passado, após o resultado do primeiro turno das eleições, usou
no discurso um ameaçador ‘vamos botar um ponto final em todos os
ativismos do Brasil’. O que a imprensa fez? Como anteriormente, apenas
reproduziu a fala – o que pode soar como um endosso – ou deixou as
críticas para um ou outro colunista, sem se comprometer editorialmente.
Um silêncio eloquente, acompanhado pelo do Supremo Tribunal Federal, do
Tribunal Superior Eleitoral e do Ministério Público.
As frases
racistas, misóginas, homofóbicas e classistas do capitão da reserva
foram muitas vezes colocadas pelo jornalismo brasileiro na conta do
‘folclórico’ e do ‘controverso’. Inúmeras delas integram listas na web,
com direito a ‘as dez mais polêmicas’. (...) Quando a imprensa diminui o
tom violento dessas falas e as classifica como ‘polêmicas’,
‘controversas’, ‘da zoeira’, termina vendendo como outra coisa as
atitudes frequentemente criminosas de um homem público.”
Na
prática, a colunista cobra que a imprensa não só rotule negativamente as
declarações de Bolsonaro, em vez de reportá-las ao leitor, mas que
trate como crime aquilo que a colunista considera que é crime, sem que a
Justiça tenha decidido que é.
O artigo termina com uma lição de
militância esquerdista à Rede Globo, que “já admitiu ter errado ao
apoiar o golpe militar”, “mas, diferentemente de dezenas de revistas e
jornais ao redor do mundo que usam as palavras certas para falar do
candidato do PSL à Presidência (extrema-direita, ameaça, perigo,
autoritarismo), está silenciosa sobre o Brasil de agora.”
O ápice dessa histeria, no entanto, veio no dia 25 de outubro.
A lulista Eleonora de Lucena, que comandou a Folha por dez anos,
publicou no jornal um artigo em que afirma o seguinte sobre Bolsonaro:
“É ditadura, é tortura, é eliminação física de qualquer oposição, é
entrega do país, é domínio estrangeiro, é reino do grande capital, é
esmagamento do povo. É censura, é fim de direitos, é licença para sair
matando.
As palavras são ditas de forma crua, sem tergiversação –
com brutalidade, com boçalidade, com uma agressividade do tempo das
cavernas. Não há um mísero traço de civilidade. É tacape, é esgoto, é
fuzil.”
O texto é quase uma versão esquerdista de "Águas de março" – são os rótulos de outubro fechando a eleição.
Eleonora, seguindo a linha de Fabiana, acusou a própria Folha – que
ainda tentava, sem provas, dar consistência ao “escândalo” do WhatsApp –
de não ter feito o bastante contra Bolsonaro, e toda a “mídia” de ter
se submetido aos “arrivistas do mercado”:
“Agora que removeram
das urnas a maior liderança popular da história do país, emporcalham o
processo democrático com ameaças, violências, assassinatos, lixo
internético. (...)
Os arrivistas do mercado financeiro festejam
uma futura orgia com os fundos públicos. Para eles, pouco importam o
país e seu povo. Têm a ilusão de que seus lucros estarão assegurados com
Bolsonaro. Eles e ele são a verdadeira escória de nossos dias.
A
eles se submete a mídia brasileira, infelizmente. Aturdida pelo
terremoto que os grandes cartéis norte-americanos promovem no seu
mercado, embarcou numa cruzada antibrasileira e antipopular. Perdeu
mercado, credibilidade, relevância. Neste momento, acovardada, alega
isenção para esconder seu apoio envergonhado ao terror que se avizinha.
Este jornal escreveu história na campanha das Diretas. Depois,
colocou-se claramente contra os descalabros de Collor. Agora, titubeia –
para dizer o mínimo. A defesa da democracia, dos direitos humanos, da
liberdade está no cerne do jornalismo.
Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.”
Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.”
Adiantar, teria adiantado culturalmente alguma coisa se alguém da
imprensa brasileira que vaticinava o fim do mundo em 2016 tivesse pedido
desculpas menos de dois anos depois da eleição de Trump, quando a taxa
de desemprego nos EUA, em setembro, alcançou seu nível mais baixo desde
dezembro de 1969, ou seja, em 49 anos.
Agora é tarde. Esta
eleição de 2018 (seja qual for o resultado de hoje) fica marcada pela
tentativa da esquerda, dos demais histéricos e dos inocentes úteis de
provar crimes futuros a partir de declarações passadas de um candidato, e
de esconder ou amenizar crimes passados de um partido com novas
promessas de um futuro melhor.
A imprensa morreu nos últimos dois
anos, acometida pelo desapreço à verdade e ao senso das proporções, mas
o jornalismo, este sim, em novos meios, sobreviverá.
(Felipe Moura Brasil, 28 de outubro de 2018)
** Ver: https://www.youtube.com/watch?v=KnT2R7EMCfE; e https://veja.abril.com.br/…/as-provas-das-mentiras-de-mery…/.
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