domingo, 28 de outubro de 2018

A IMPRENSA CONTRA TRUMP E BOLSONARO

Por Felipe Moura Brasil
Antagonista e comentarista da Jovem Pan.

Em 7 de agosto de 2016, após Donald Trump vencer as primárias do Partido Republicano para enfrentar Hillary Clinton na eleição geral, o colunista James Rutenberg começou um artigo no New York Times com a seguinte pergunta:
“Se você é um jornalista que trabalha e acredita que Donald Trump é um demagogo que joga com as piores tendências racistas e nacionalistas da nação, que ele se aproxima de ditadores antiamericanos e que ele seria perigoso com o controle dos códigos nucleares dos Estados Unidos, como diabos você deve cobri-lo?”
Há duas respostas condizentes à tradição do jornalismo: a primeira é que, se você é exclusivamente um repórter, deveria cobri-lo do mesmo modo que cobre qualquer pessoa com quem simpatize, prezando pela isenção na apuração e na exposição dos fatos, independentemente das suas crenças e posições pessoais. A segunda é que, se é incapaz de fazer isso, não deveria cobri-lo ou ser autorizado a tanto pelo seu chefe.

Mas nenhuma dessas respostas é a que Rutenberg deu.
Citando um editor que chamou Hillary Clinton de "normal" e Trump de "anormal", Rutenberg sugeriu que "padrões normais" não se aplicavam.
Ele admitiu que “o equilíbrio está de férias” desde que Trump começou a fazer campanha, e terminou declarando que “o trabalho do jornalismo é fiel aos leitores e telespectadores, e fiel aos fatos, de uma forma que resista ao julgamento da história”.
O artigo até hoje é citado na parte jamais traduzida na imprensa brasileira do debate público americano – a não esquerdista – como uma tentativa de justificar a cobertura enviesada do Times e ainda uma voz de comando aos jornalistas anti-Trump, dizendo-lhes que era aceitável ser tendencioso, afinal a história os julgaria.
Tanto que, semanas depois, Dean Baquet, editor executivo do Times, disse a um entrevistador que o artigo de Rutenberg “pregou” seu pensamento e o convenceu de que a luta pelo equilíbrio havia acabado. “Acho que Trump acabou com essa luta”, afirmou Baquet, terceirizando a responsabilidade pelo rebaixamento dos critérios jornalísticos.
Como o Times é a nave-mãe da imprensa de esquerda, as portas foram abertas para que Trump fosse rotineiramente chamado de mentiroso, traidor, racista e até Hitler.
Quase todos os veículos proeminentes demonizavam Trump e efetivamente apoiavam Hillary, em capítulo vexaminoso de partidarismo na história do jornalismo americano.
E nem o fracasso desse esforço produziu uma mudança de comportamento. Após a vitória de Trump, cuja possibilidade não foi sequer vislumbrada por esses veículos e seus tradutores no Brasil (na grande mídia, fui o único a considerá-la ao longo de toda a corrida a eleitoral), tentou-se culpar uma intervenção russa e alegadas fake news disseminadas nas redes sociais, como se a imprensa não tivesse disseminado nenhuma.
(A mais emblemática delas, para citar só um exemplo: a de que Trump ridicularizou a deficiência de um repórter do próprio Times.)**
Em 24 de maio de 2018, o Brasil teve a sua versão discreta do artigo de Rutenberg.
No segundo episódio do Foro de Teresina, podcast de política da Revista Piauí, da qual é editor, Fernando Barros e Silva relatou o seguinte a Malu Gaspar e José Roberto de Toledo:
“Eu conversei com quatro colegas em cargo de chefia ou que tem grande visibilidade nos veículos em que atuam, foi uma conversa em ‘off’, ela estava falando do debate interno do veículo, como que o veículo está discutindo a candidatura do Bolsonaro. A Folha, ouvi entre outras coisas, tem a avaliação que o colunismo político do jornal é, e vai ficar mais ainda, massivamente contra o Bolsonaro; e a reportagem, isso não só na Folha, de uma maneira geral, vai tentar pegar o Bolsonaro de qualquer jeito, na linha: ‘Como posso prejudicar o Bolsonaro fingindo que estou fazendo jornalismo?’”
Esta linha precisará ser sempre lida, relida e ouvida por quem quiser entender o que houve no Brasil em 2018. O editor da Piauí, cujo conteúdo digital é publicado pela Folha de S. Paulo, confessou sem pudor, em áudio, a dissimulação cínica que embasaria a produção do noticiário da imprensa, não apenas dos artigos de opinião.
E, assim como nos EUA, nem o fracasso desse esforço no primeiro turno (em 7 de outubro) produziu uma mudança de comportamento. Ao contrário, quando surgiu (em 14 de outubro) um artigo intitulado “A imprensa precisa fazer autocrítica”, o entendimento foi que ela não prejudicou Bolsonaro o bastante.
No texto, a colunista Fabiana Moraes, da Piauí, afirmou que o jornalismo diário brasileiro “confunde, desorienta” o público “quando não nomeia as coisas pelo que elas são”. “Um exemplo: quando chama crime de ‘polêmica’. Ameniza, doura a pílula, deixa soft.” Para ilustrar a tese, ela primeiro critica uma edição antiga da revista Placar sobre o ex-goleiro Bruno, que matou Eliza Samudio. A crítica à abordagem jornalística de um assassino, portanto, introduz a crítica à abordagem de Bolsonaro.
Pulemos para esta última:
“No domingo passado, após o resultado do primeiro turno das eleições, usou no discurso um ameaçador ‘vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil’. O que a imprensa fez? Como anteriormente, apenas reproduziu a fala – o que pode soar como um endosso – ou deixou as críticas para um ou outro colunista, sem se comprometer editorialmente. Um silêncio eloquente, acompanhado pelo do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral e do Ministério Público.
As frases racistas, misóginas, homofóbicas e classistas do capitão da reserva foram muitas vezes colocadas pelo jornalismo brasileiro na conta do ‘folclórico’ e do ‘controverso’. Inúmeras delas integram listas na web, com direito a ‘as dez mais polêmicas’. (...) Quando a imprensa diminui o tom violento dessas falas e as classifica como ‘polêmicas’, ‘controversas’, ‘da zoeira’, termina vendendo como outra coisa as atitudes frequentemente criminosas de um homem público.”
Na prática, a colunista cobra que a imprensa não só rotule negativamente as declarações de Bolsonaro, em vez de reportá-las ao leitor, mas que trate como crime aquilo que a colunista considera que é crime, sem que a Justiça tenha decidido que é.
O artigo termina com uma lição de militância esquerdista à Rede Globo, que “já admitiu ter errado ao apoiar o golpe militar”, “mas, diferentemente de dezenas de revistas e jornais ao redor do mundo que usam as palavras certas para falar do candidato do PSL à Presidência (extrema-direita, ameaça, perigo, autoritarismo), está silenciosa sobre o Brasil de agora.”
O ápice dessa histeria, no entanto, veio no dia 25 de outubro.
A lulista Eleonora de Lucena, que comandou a Folha por dez anos, publicou no jornal um artigo em que afirma o seguinte sobre Bolsonaro:
“É ditadura, é tortura, é eliminação física de qualquer oposição, é entrega do país, é domínio estrangeiro, é reino do grande capital, é esmagamento do povo. É censura, é fim de direitos, é licença para sair matando.
As palavras são ditas de forma crua, sem tergiversação – com brutalidade, com boçalidade, com uma agressividade do tempo das cavernas. Não há um mísero traço de civilidade. É tacape, é esgoto, é fuzil.”
O texto é quase uma versão esquerdista de "Águas de março" – são os rótulos de outubro fechando a eleição.
Eleonora, seguindo a linha de Fabiana, acusou a própria Folha – que ainda tentava, sem provas, dar consistência ao “escândalo” do WhatsApp – de não ter feito o bastante contra Bolsonaro, e toda a “mídia” de ter se submetido aos “arrivistas do mercado”:
“Agora que removeram das urnas a maior liderança popular da história do país, emporcalham o processo democrático com ameaças, violências, assassinatos, lixo internético. (...)
Os arrivistas do mercado financeiro festejam uma futura orgia com os fundos públicos. Para eles, pouco importam o país e seu povo. Têm a ilusão de que seus lucros estarão assegurados com Bolsonaro. Eles e ele são a verdadeira escória de nossos dias.
A eles se submete a mídia brasileira, infelizmente. Aturdida pelo terremoto que os grandes cartéis norte-americanos promovem no seu mercado, embarcou numa cruzada antibrasileira e antipopular. Perdeu mercado, credibilidade, relevância. Neste momento, acovardada, alega isenção para esconder seu apoio envergonhado ao terror que se avizinha.
Este jornal escreveu história na campanha das Diretas. Depois, colocou-se claramente contra os descalabros de Collor. Agora, titubeia – para dizer o mínimo. A defesa da democracia, dos direitos humanos, da liberdade está no cerne do jornalismo.
Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.”
Adiantar, teria adiantado culturalmente alguma coisa se alguém da imprensa brasileira que vaticinava o fim do mundo em 2016 tivesse pedido desculpas menos de dois anos depois da eleição de Trump, quando a taxa de desemprego nos EUA, em setembro, alcançou seu nível mais baixo desde dezembro de 1969, ou seja, em 49 anos.
Agora é tarde. Esta eleição de 2018 (seja qual for o resultado de hoje) fica marcada pela tentativa da esquerda, dos demais histéricos e dos inocentes úteis de provar crimes futuros a partir de declarações passadas de um candidato, e de esconder ou amenizar crimes passados de um partido com novas promessas de um futuro melhor.
A imprensa morreu nos últimos dois anos, acometida pelo desapreço à verdade e ao senso das proporções, mas o jornalismo, este sim, em novos meios, sobreviverá.
(Felipe Moura Brasil, 28 de outubro de 2018)

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