domingo, 17 de novembro de 2019

Avalanche Tricolor: o som das vaias

Grêmio 0x1 Flamengo
Brasileiro — Arena Grêmio, Porto Alegre/RS

Gremio x Flamengo
Foram tempos difíceis os que vivemos no início dos anos de 1970. Os campeonatos se sucediam e as derrotas se acumulavam. Nem estadual nem nacional. Jogar fora do país, apenas em amistosos. A pressão das arquibancadas era intensa. Derrubava-se técnico, trocava-se cartola e a vaia se misturava ao som da corneta de ar comprimido, marca registrada de nossa primeira torcida organizada, a Eurico Lara.

Lembro de um jogo pelo Campeonato Brasileiro, em 1975 —- acredito que tenha sido contra o Sport/PE —, em que torcedores revoltaram-se contra nosso time e passaram a explodir rojões próximo a casamata, onde ficavam o técnico e os reservas. Eu estava ali, ao lado deles enquanto os foguetes ensurdeciam nossos ouvidos e colocavam em risco a saúde de todos que estivessem à beira do gramado.

Apesar de muito guri, travestido de gandula, auxiliava Ênio Andrade levando e trazendo instruções para a equipe. Foi invenção dele, um dos maiores técnicos que o Brasil já teve e meu padrinho por adoção. Seu Ênio —- assim como todos os treinadores de futebol da época — não podia sair do banco de reservas, então criou a função de “pombo correio”, para a qual fui convocado e aceitei como um soldado diante de uma missão de vida.

Ao longo das partidas, seu Ênio me chamava, passava as orientações e eu caminhava até atrás do gol de Picasso, nosso goleiro, e transmitia o recado. Foi quando aprendi como é difícil a vida de treinador. Você dizia uma coisa e o time imediatamente fazia outra.

Naquela partida, foi triste ver que o time não andava como queríamos. E a torcida não perdoava. Vaiava. Gritava contra nossos jogadores. E passou a protestar com rojões. Saímos de campo protegidos pela polícia militar e assim que cheguei ao vestiário, comecei a chorar e fui consolado pelo abraço de um dos meus grandes ídolos, Yura. Ele chorou, também.

Minha tristeza não estava no resultado negativo e em mais um campeonato sem título, mas ao ver os torcedores do meu time protestarem daquela maneira. Para mim sempre foi muito frustrante ouvir a vaia do torcedor contra seu próprio time. Nunca gostei da ideia de atacar aqueles que vestem nossa camisa, por mais que muitos que a vestiram tenham feito por merecer.

Lembrei-me desta história ao longo do jogo dessa tarde, em Porto Alegre.

Ao menos dois dos nossos jogadores foram vaiados intensamente, André e Michel. Longe de imaginar que eles mereçam aplausos pela performance nesta temporada — especialmente nosso atacante deixou a desejar. Mas a vaia em um momento como o que estamos vivendo me parece injusto com o time. Pois, com certeza, mesmo que dirigida a um ou a outro atleta, sensibiliza o grupo e não faz justiça a tudo que eles, como grupo, já nos ofereceram de alegria.

Nós torcedores estamos sempre em busca de um bode expiatório e assim que o identificamos personificamos nele nossas fraquezas e frustrações. O time não ganhou, culpa dele. Jogou mal, é dele, também. Venceu mas não levou o título —- ah, se não fosse ele! É a justificativa que encontramos para não assumirmos que o adversário possa ser superior a nós.

Apesar de nossa vaga para a Libertadores do ano que vem ainda estar sob nosso controle, o resultado desta tarde não me deixou feliz. Lógico que não! Quero ganhar sempre. Mas foi o som das vaias que me entristeceu neste domingo.

É provável que muitos desses que estavam por lá reclamando nas arquibancadas da Arena não tenham ideia do que foram aqueles primeiros anos de 1970, no estádio Olímpico.

Milton Jung

Nenhum comentário :

Postar um comentário