Jornal do Brasil
Na audiência pública iniciada nesta segunda-feira, no Supremo Tribunal Federal, preparatória do futuro julgamento de ação de inconstitucionalidade contra dispositivos da chamada Lei Seca (Lei 11.705/2008), o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, rebateu o argumento de que a norma instituiu um nível de restrição excessivo ao consumo de álcool. Segundo ele, o Brasil está na “média”, e não “no extremo da rigidez”, em comparação com países como o Japão, a França e os Estados Unidos, que estabelecem níveis ainda mais altos de restrição à combinação álcool-direção.
O chefe da AGU foi um dos 13 selecionados para falar na audiência pública pelo ministro Luiz Fux, relator da ação proposta pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel). A audiência será retomada e concluída no próximo dia 14, com a participação de diversos especialistas, parlamentares, autoridades públicas e dirigentes de organizações não governamentais.
Ao abrir a audiência, o presidente do STF, ministro Ayres Britto, afirmou que esse tipo de debate público “aproxima o Judiciário cada vez mais da sociedade, sobretudo em causas de grande complexidade técnico-científica”, com o confronto de opiniões abalizadas de especialistas para melhor informação dos ministros no julgamento de ações polêmicas de grande interesse público, como ocorreu nos casos das células-tronco, da gravidez de fetos anencéfalos e das cotas raciais nas universidades.
Direito à vida
Na sua intervenção, o advogado-geral da União deu ênfase ao respaldo da Lei Seca em direitos fundamentais assegurados pela Constituição, já que “restringe posições individuais em nome do interesse comum, cumprindo as atribuições do Estado no sentido de evitar riscos, e exercer o seu dever de proibição para proteger os direitos constitucionais à vida, à segurança e à saúde”. Adams acrescentou que a lei questionada não fere as liberdades física (o direito de ir e vir) e da atividade econômica. A seu ver, não são todos que podem conduzir um automóvel, e os que dirigem devem se submeter a restrições; no âmbito econômico, “a livre inciativa daqueles que atuam no ramo de venda de bebidas se submete à garantia do direito fundamental à vida”.
O deputado federal Hugo Leal (PSC-RJ), autor do projeto da Lei Seca, citou dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) para mostrar que, depois da sua edição, houve uma redução de 28,3% nas internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS) decorrentes de acidente de trânsito. Ele destacou ainda que informações do Ministério da Saúde revelaram que o número de mortes no trânsito na região Sudeste, onde está a maior frota do país, caiu de 15.189 em 2008 para 14.177 em 2009. “O objetivo principal da lei é reduzir o número de mortes no trânsito e isso vem acontecendo”, completou.
Razoabilidade
Na direção oposta, falaram os advogados da Abrasel, Percival Maricato, e Rogério Taffarello, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim).
O primeiro atacou a falta de “maior racionalidade, proporcionalidade e equidade” na lei de 2008. Afirmou que “a Abrasel não é contra a punição do delinquente que bebe, dirige em alta velocidade e põe em risco a vida alheia”. Ressaltando que falava em nome de dois milhões de pequenos empresários e de um milhão de estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas, disse que a tolerância zero prevista na Lei 11.705 é “intolerante”, por violar os princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade e da equidade.
Rogério Taffarello também se pronunciou na mesma linha, sublinhando que quanto maior a fiscalização, menores serão os números de mortos e feridos em acidentes provocados por motoristas alcoolizados. Mas acrescentou que, para isso, não é necessária a “vulneração de um direito tão importante quando o de não se produzir prova contra si mesmo”. A seu ver, o Judiciário deve limitar o poder do Estado de “intervir de modo extremado na privacidade e na liberdade de consciência do cidadão”.
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