"A gente só deve dar até
onde o outro está disposto a receber. Nem mais, nem menos, pois se dermos menos
seremos irresponsáveis, se dermos mais seremos tachados de arrogantes,
presunçosos ou que estamos passando por cima das hierarquias."
Foi com essa frase, que a professora Márcia Araújo, iniciou uma prestação de contas após pedir exoneração da Coordenação Municipal de Educação do Campo e, consequentemente, do CMEECampo, órgão que esteve atuando desde 2017, ano que teve contato com a Educação do Campo. Com o apoio de Maria Ivanilda, diretora do CMEECampo, que também pediu exoneração, Márcia teve a oportunidade de expor seus projetos e ações no cotidiano das unidades escolares que integram o CMEECampo.
Prestação de contas.
Duas coisas fazem de mim quem de fato eu sou. Outras tantas podem até mudar. Essas não: o amor pela educação e o incondicional amor de mãe. Então, chegou o momento de mais uma mudança em minha vida. Não é sempre que desejamos mudar mas as vezes é necessário. E chegou o momento de minha saída da Coordenação Municipal de Educação do Campo e, consequentemente, do CMEECampo.
Entrei em contato com a Educação do Campo em 2017 a convite do atual gestor municipal, Luciano Santos, a quem digo meu muito obrigada. Tudo era muito novo mas, uma coisa era mais nova ainda, trabalhar fora do ambiente físico que iria coordenar. O famoso sair da caixinha naquele momento foi desafiador. Eram 5 escolas em comunidade diferentes e uma logística que precisava ser organizada. Organização era a palavra da vez e junto com as gestoras, no primeiro ano Cláudia Guimarães e nos anos seguintes Ivanilda, buscamos incessantemente organizar todas as unidades dentro do que acreditávamos ser o melhor para a educação, naquele ano ainda chamada de rural.
Em nossos primeiros encontros pedagógicos, senti que o grupo não tinha um norte comum. Mesmo respeitando as especificidades é preciso de identificação e foi isso que construímos juntos ao produzir as ações pedagógicas e deixá-las ao alcance de todos. Compreendendo como funcionava cada instituição e respeitando as diferenças de cada, organizei em 2018 o plano para que todas as unidades caminhassem para um mesmo propósito, sermos referência na educação do campo.
Foram diversas e significativas mudanças que não só impactaram no fazer pedagógico das unidades administradas pelo CMEECAMPO, mas em outras instituições, comunidades e na vida de algumas pessoas. Foram projetos nossos e apoiados pela gestão de Luciano que mudaram a forma de como enxergamos o campo:
* A mudança do nome do Centro
Rural Nazaré Xavier de Góis para Centro Municipal de Ensino e Educação do Campo
Nazaré Xavier de Góis. Essa mudança não apenas alinhou a nomenclatura à
literatura da área, mas apresentou aos que não queriam enxergar a educação que
o espaço campesino tem a nos ensinar.
* O Projeto Circuito Junino de
Quadrilhas Escolares, nasceu no CMEECAMPO.
Esse projeto tinha como objetivo
apresentar o campo em um processo de socialização com as escolas urbanas, já
que as festividades juninas fazem parte do universo campesino. Com esse projeto
foi possível uma integração campo/cidade.
* Dia do Quilombola - Outro projeto, esse de valorização de todo um povo, foi a Criação do Dia dos Povos Quilombolas do Município de Lagoa Nova. Como todos sabem, nossa luta maior, além da qualidade da educação do campo, era afirmar a identidade das escolas do CMEECAMPO. Como Escola Quilombola, a São Luiz não tinha o reconhecimento que merecia enquanto escola de uma comunidade quilombola. Essa data no calendário municipal, como lei, é prova que a escola muda seu espaço social também. Ações voltadas à valorização dos nossos docentes foram inúmeras. O letramento docente era uma preocupação minha, pois foi em meio ao contexto literário e cultural que produzimos inúmeros trabalhos. Alguns permanentes como:
* Café literário. Era o momento
de apresentar uma obra e levar o professor à reflexão sobre as vozes que uma
literatura pode trazer de mudanças, não apenas ao aluno mas, antes de tudo, ao
professor, pois não chegamos ao discente senão pelo docente.
* Cartão de Natal Cantado. Esse
projeto diminuía o cansaço presente em nossos professores, colocando em
visibilidade aqueles que no final do ano só recebiam cobranças por notas e
conclusão de relatórios. O brilho de quem queria participar e a alegria dos colegas
envolta do espírito natalino, a magia nas canções e da valorização pessoal
faziam desse momento a renovação do pertencimento destes profissionais com as
escolas. Era sempre um dia de muita alegria.
*CMEECAMPO - A criação da Coordenação Municipal da Educação do Campo. Outro projeto que nasceu dentro do CMEECAMPO. Foi uma demanda nossa ao perceber que uma modalidade tão rica deveria ter alguém que buscasse alinhar a prática pedagógica ao que preconizam os Marcos Normativos para a Educação do Campo. Sempre busquei formações para o quadro de professores do CMEECAMPO em contexto com a realidade de cada professor, ou seja, em serviço.
Valorizo as formações que vem de fora, porém entendo que precisamos olhar mais para dentro de nosso espaços escolares, resolvendo primeiro as demandas locais. E foi pensando nessas demandas que resolvemos trabalhar com a concepção sociointeracionista alinhada a uma metodologia de projetos. Desse modo, atendíamos um universo intercultural, já que nossas escolas são multisseriadas. Assim, tínhamos projetos pedagógicos como:
* Fazendo Arte;
* Escritor na Escola;
* São João Literário;
* Entre Letras e Fantasias;
* Matemática do/no Campo;
* Familia na Escola/Comunidade de Aprendizagem, entre outros.
Todos alicerçados por uma literatura, que era nosso carro chefe. Para atender toda essa diversidade presente nas escolas, trabalhávamos com a produção de nossos processofólios. Um material rico, que respeitava os saberes tácitos de nossas crianças sem deixar de lado o conteúdo específico para cada série/idade.
Pois, como dizia Tolstoi: "Comece por pintar sua aldeia". Assim fazíamos. A literatura e a cultura presentes em nossas vidas e de fundamental importância para uma formação integral não poderiam faltar aos nossos professores, pois só assim chegariam aos nossos alunos. E eles, os professores, iam além do que determina sua profissão. Eles desejavam mais e seguiam o que dizia o mestre Paulo Freire: "Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo".
Eles queriam e querem ser exemplos. Assim, tornaram-se escritores, mostrando aos nossos alunos o valor e o poder da escrita. O livro "Olho em perfeito silêncio para as estrelas", uma produção dos 19 professores do CMEECampo, uma professora convidada de outra escola do campo, junto ao renomado Wescley Gama, é um sucesso. Muitos questionamentos me são feitos sobre como organizar, como incentivar um grupo a produzir tão lindo e rico material. Infelizmente, do mesmo modo, não fomos valorizados pela educação de nossa cidade. Nossos professores já escreviam, cantavam, e achando pouco, resolvemos atuar.
"Olho em perfeito silêncio para as estrelas" também é o nome do curta-metragem produzido sob a nossa coordenação e direção e filmagem do brilhante Dynho Silva. Buscávamos muitas parcerias. E tínhamos as melhores. Consideramos o trabalho intersetorial fundamental para a qualidade do ensino. A coletividade entre os pares, o contato com outras experiências e as trocas de ideias trazem para a escola outras percepções.
Foram nossos parceiros: Diversos especialistas, mestres e doutores. Entre eles, quero agradecer aos doutores Washington de Souza e Luiz Gomes. A Luiz, que esteve sempre à disposição quando precisávamos, meu eterno agradecimento. As parcerias foram crescendo e enriquecendo nossas práticas, porque nada se constrói sozinho. Foram inúmeras as ações que fizeram o que hoje é o Centro de Educação do Campo. Ações que precisam ser mantidas mas, antes de tudo, renovadas.
Um ciclo se fecha e em mim fica a certeza de que fiz todo o possível para ser uma excelente profissional, sem esquecer de ser humana. O que nunca irão fechar serão meus ciclos de amizades. Não importa onde cada um ficou. Carrego comigo todo aprendizado de vocês. Aos meus pequenos, quero que eles desejem muitos saberes. À minha equipe, minha família. Foi muito bom levantar todos os dias e saber as pessoas maravilhosas que iria encontrar. Por fim, você, minha amiga, minha irmã. Quantos não entendem nossa amizade simplesmente por não entender de amor. Sei que nossas presenças, uma na vida da outra, diminuirão, mas não em nossos corações. Sei que, sem você, não teria feito nem metade do que fizemos.
Sua coragem era a minha coragem e nos comprometemos a mudar a educação de onde estávamos. Fizemos isso com muito empenho. Muitos finais de semanas nas escolas, muitas e muitas ações com as famílias e professores como pintura de salas, paredes para dividir salas, forro de gesso… Tudo pensando no melhor para nossos alunos. Aqui deixo registrados meus mais sinceros sentimentos de amor à Educação de Lagoa Nova.
Márcia Araújo
Forma em letras pela UFRN, Especialista em Alfabetização + Neurociência também pela UFRN. Especialista no PROEJA/ Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Mestranda no Profletras/UFRN
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