quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Alcaçuz: veja o que mudou 4 anos após a maior rebelião no RN

 Alcaçuz: o presídio do absurdo - Marco Zero Conteúdo

Nesta quinta-feira, 14 de janeiro, completam-se quatro anos desde que o RN e o mundo pararam para assistir a rebelião que culminou no maior massacre ocorrido dentro de um presídio do Estado. A Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, foi tomada por uma batalha entre presos de facções criminosas rivais que resultou em 27 assassinatos, cenas de selvageria, dezenas de fugas e destruição de parte da estrutura daquela unidade prisional.

Desde então, ninguém foi condenado e o processo, cujo inquérito indiciou 74 detentos pelas 27 mortes e mais 132 por falso testemunho, com ações detalhadas em 2.610 páginas, ficou praticamente parado desde a entrega ao Ministério Público do Estado (MPRN). Até hoje, sem denúncia formalizada à Justiça.

O Inquérito, que demorou 2 anos e 10 meses para ser concluído, foi remetido à Promotoria de Nísia Floresta em dezembro de 2019, com 2.610 páginas distribuídas em 14 volumes físicos. O MPRN informou, em nota, que começou a analisar o processo, “mas com a suspensão da tramitação de processos e as dificuldades impostas ao funcionamento das instituições, em razão da pandemia da covid-19, esse trabalho foi dificultado, mas já foi retomado".

A Polícia Civil pediu a prisão preventiva daqueles que foram indiciados e que, inclusive, já cumpriam penas, mas o órgão ministerial entendeu que, quase três anos depois, não seria mais possível. “(...) o MPRN ofertou parecer pelo indeferimento da prisão preventiva dos indiciados por não haver contemporaneidade com os fatos, requisito exigido pelo código de processo penal - ou seja, como os crimes aconteceram em 2017, não se poderia decretar a prisão em 2019", diz a nota. O MPRN alegou que a Promotoria atuou neste período de forma extrajudicial, realizando fiscalizações na penitenciária para verificar medidas adotadas que resguardassem a dignidade dos presos.

A TRIBUNA DO NORTE também realizou uma visita à Penitenciária. Nesta quarta-feira (13), véspera do dia que marca os quatro anos da chacina, a TN foi verificar como está o presídio que foi palco de um massacre entre presos, transmitido ao vivo para todo o mundo pelas equipes de reportagem que se aglomeravam diuturnamente nas dunas ao redor, de onde se tem uma visão privilegiada dos prédios que compõem o complexo. A topografia da área propiciou isso. Das dunas, a visão do complexo é nítida, porém, a calmaria agora toma o lugar daquelas cenas de violência que resultaram em corpos empilhados no chão do pátio do Pavilhão 4, jogados em fossas, espetados em lanças, esquartejados, carbonizados ou enterrados.

Cicatrizes da barbárie
 
As marcas da barbárie ainda aparecem no antigo refeitório, onde os criminosos subiram, hastearam bandeiras das facções criminosas e picharam insultos aos rivais e frases de domínio. A estrutura não é mais utilizada e será demolida para construção de um novo equipamento. O mesmo deve acontecer com o prédio da antiga fábrica de bolas, onde os detentos queimaram cadáveres de seus inimigos. Marcas de fumaça ainda são vistas no teto. “Aquele lugar ainda gera uma energia pesada quando a gente entra", comentou um dos policiais penais durante a visita.

O episódio demonstrou o completo descontrole do Estado com as prisões. Demorou 15 dias para o Governo reassumir o total controle da unidade.

Ivo Freire, que era o diretor da unidade à época, lembra que a capacidade naquele ano era de 520 internos, mas havia cerca de 1.200. O ex-diretor, hoje chefe do GSI do Governo, disse que considera aquele como o momento de falência do Sistema, mas que dificilmente voltaria a acontecer. “Podemos considerar que ali foi a falência do Sistema Prisional do RN. Mas hoje temos pessoal mais treinado, procedimento operacional padrão para que a gente consiga atuar. Então, pra mim, atualmente é impossível acontecer o mesmo que em 2017", declarou.

O difícil recomeço após a chacina
 
Imediatamente após aquele fatídico episódio, foram tomadas medidas ligadas à estrutura da penitenciária. Uma reforma e a reconstrução do pavilhão 4 com 422 vagas foram apresentadas como forma de reduzir a superlotação e garantir mais segurança. A lotação ainda persiste. O número de vagas, segundo dados da SEAP, é 620, mas há 1.600 apenados. Contudo, agora os detentos não ficam mais soltos nos pavilhões. As celas têm grades e todas as tomadas foram retiradas. A fiação elétrica e a iluminação é feita a partir dos corredores. A organização e a limpeza dos ambientes da prisão contrastam com as imagens divulgadas durante a rebelião.

O monitoramento eletrônico é outro avanço. Foi ampliado e ligado ao Ciospe todas as revistas são realizadas por meio de um bodyscan. Os bloqueadores de sinal de telefones celulares não existem mais. De acordo com a SEAP, esses equipamentos não são necessários porque não é mais possível o acesso de aparelhos celulares nas unidades prisionais. Além disso, os bloqueadores sofrem rápida defasagem devido ao avanço da tecnologia dos celulares e precisam ser atualizados gerando um custo alto.

“Alcaçuz hoje é uma unidade controlada, de extrema segurança, onde não houve mais fugas nesses quatro anos e teve uma evolução significativa na disciplina do interno e nas ações sociais e de capacitação dos servidores. Os detentos passam por controle diário de identificação e triagem do tipo penal", explicou Flávio Lúcio, atual diretor.

A partir dessa triagem, somado à interrupção da entrada de materiais proibidos e do controle das celas, é possível manter o domínio da situação como se espera se um sistema prisional. As medidas também levaram à ampliação do trabalho de ressocialização.

O interno Flávio Gomes, 37, é um dos incluídos num dos projetos. Ele chegou à Alcaçuz em 2018 e não presenciou o massacre. Segundo disse, conversa com alguns que estavam lá durante a rebelião e a sensação agora é de mais segurança. “Hoje, eu vejo a cadeia tranquila. Depois de fechar as celas me sinto mais seguro. Era tudo aberto, a gente ficava vulnerável e qualquer 'treta', a pessoa ia pra faca. Agora, se o cara der um grito na cela, o agente chega e tudo se resolve", contou.
 
Fonte TRIBUNA DO NORTE

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