Diário de Pernambuco
Atualmente, 100 milhões de
brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto e 35 milhões não são abastecidos
com água potável
Oitava economia do mundo, o
Brasil tem níveis de cobertura de água e esgoto bem piores que países como
Iraque, Jordânia e Marrocos. Hoje, 100 milhões de brasileiros não têm acesso à
coleta de esgoto e 35 milhões não são abastecidos com água potável - números
que refletem a falta de prioridade que o setor teve nos últimos anos e explicam
a proliferação de epidemias, como dengue e zika, além de doenças
gastrointestinais no País.
Para se ter ideia do atraso,
enquanto a cobertura de água e esgoto no Brasil é de 83,3% e 51,9% da
população, respectivamente, os números do Iraque são de 88,6% e 86,5%. Até
países com Produto Interno Bruto (PIB) per capita - que mede a riqueza da
população - inferior ao do Brasil ganham nos índices de cobertura. É o caso de
Peru, África do Sul e Bolívia. Nesse último caso, o indicador de acesso à água
é maior e o de coleta ligeiramente menor que o brasileiro.
Os dados constam de um trabalho
feito pela gestora Miles Capital com dados do Instituto Trata Brasil, Unicef e
Organização Mundial da Saúde (OMS). "O setor, que foi esquecido nos
últimos anos, precisa ser a prioridade das prioridades nessa nova gestão",
afirma o sócio-fundador da Miles Capital, Fabiano Custodio. Para ele, os
governos, federal e estaduais, têm uma oportunidade para reverter esse quadro
atraindo investidor privado para o setor. Na avaliação dele, uma das saídas é a
privatização das estatais, muitas delas deficitárias.
Hoje, apenas 6% dos municípios
nacionais são atendidos pela iniciativa privada. O restante está nas mãos de
empresas estatais, sendo que boa parte delas não tem condições financeiras para
tocar grandes volumes de investimentos. A maioria depende de recursos dos
Estados para operar. Mas, com a crise fiscal dos governos, a situação ficou
ainda mais complicada.
"Muitas companhias estaduais
estão com problemas de endividamento e baixa capacidade de captação, o que
dificulta qualquer planejamento de expansão da rede", diz o diretor da
Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água
e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto. Pelo tamanho do déficit, o volume de
investimento é grande.
A universalização do saneamento
básico exigirá R$ 440 bilhões de investimentos, mas nem o Plano Nacional de
Saneamento (Plansab) tem sido cumprido. Lançado em 2013, a meta era investir
cerca de R$ 20 bilhões por ano até 2033 para abastecer 99% da população com
água potável e levar rede de esgoto para 92% dos brasileiros.
Entretanto, a média de
investimento entre 2014 e 2016 ficou em R$ 13 bilhões. "O setor está muito
atrasado em relação aos emergentes. O baixo investimento prova que o modelo que
está aí não está funcionando", diz o advogado Fernando Vernalha, sócio do
escritório VG&P.
Para os especialistas, os
benefícios decorrentes da melhoria no saneamento básico justificariam qualquer
aumento de recursos no setor. Os baixos índices de cobertura de água e esgoto
têm reflexo direto nos gastos com saúde pública. Calcula-se que cada R$ 1
investido em saneamento gere economia de R$ 4 na saúde. Isso sem contar os
ganhos na economia, com melhora na produtividade do trabalho, segundo o Trata
Brasil.
Faltam regras e licitações -
Último setor da infraestrutura a buscar a universalização dos serviços, o
saneamento básico tem sido cortejado por grandes investidores nacionais e
estrangeiros, que veem nos baixos índices de cobertura uma grande oportunidade
de negócio. Nos últimos anos, no entanto, o apetite das empresas privadas tem
sido inibido pela falta de licitações e de regulamentação adequada, apesar da
grande necessidade de investimentos.
A legislação atual permite que os
contratos de concessão - que hoje estão, em grande parte, nas mãos das estatais
estaduais - sejam renovados automaticamente, sem novas licitações. O problema é
que as empresas públicas de saneamento - salvo exceções como a Sabesp (SP), a
Copasa (MG), a Sanepar (PR) e a Compesa (PE) - não têm conseguido gerar
receitas nem para cobrir as despesas do dia a dia.
O resultado é que as empresas não
investem o suficiente para trazer melhorias para a população e a iniciativa
privada fica sem espaço para ampliar seus negócios. Tudo isso se traduz nos
números do setor.
"O privado não vai resolver
todos os problemas, mas vai ajudar bastante", afirma o presidente da
Aegea, Hamilton Amadeo, que vê no enorme corporativismo do setor dificuldades
para ampliar os serviços. Apesar dos entraves, a empresa conseguiu nos últimos
anos elevar sua participação no mercado. De 2014 para cá, o número de
municípios atendidos subiu de 35 para 49 e a população atendida foi de 2,6
milhões para 7 milhões de pessoas.
Ele destaca que uma tentativa de
mudar os rumos dessa história está em uma medida provisória reeditada no fim de
dezembro de 2018 e que abre espaço para o setor privado. Além de colocar o
setor embaixo da aba da Agência Nacional das Águas (ANA), ela exige novas
licitações para contratos vencidos, o que daria oportunidade para as companhias
privadas. O lobby das estatais não deixou que a MP fosse votada no ano passado,
mas o setor acredita que há espaço agora no novo governo.
"Todos os setores intensivos
em capital, como energia elétrica e telecomunicação, já venceram essa barreira
(com as privatizações). Saneamento ficou para trás e virou um retrato do século
19", afirma Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental - ex-Odebrecht
Ambiental. A empresa, controlada pela canadense Brookfield, atende 180
municípios e 15 milhões de pessoas. Mesmo com as limitações, a companhia vai
investir cerca de R$ 1 bilhão por ano nas suas operações nos próximos cinco
anos.
'Pré-sal da infraestrutura' - Na
avaliação do sócio da Miles Capital, Fabiano Custodio, o setor de saneamento é
um "pré-sal" da infraestrutura. Segundo ele, se os Estados - que
estão com grandes dificuldades financeiras - decidissem vender suas estatais, a
eficiência do setor subiria substancialmente. "Se o setor tivesse uma
regulação que estimulasse a eficiência como em energia elétrica, saneamento
poderia negociar seus ativos por múltiplos (indicadores de valoração das
empresas) bem maiores que as verificadas em aquisições como Eletropaulo e CPFL."
Déficit quase zero - Localizada
no oeste do Paraná, Cascavel é uma das poucas cidades do País a praticamente
zerar o déficit dos serviços de saneamento básico. No último ranking do
Instituto Trata Brasil, elaborado em parceria com a GO Associados, o município
subiu seis posições e ficou em segundo lugar entre as 100 maiores cidades do
País, atrás apenas de Franca, no interior de São Paulo. "Os benefícios são
visíveis, e o principal deles está na qualidade da saúde", afirma o
prefeito de Cascavel, Leonaldo Paranhos.
Ele conta que o porcentual de
internações por doenças relacionadas à falta de saneamento básico caiu de 9%
para 2% em 2017 e 2018. Pelo ranking do Trata Brasil, apenas Cascavel, de 324
mil habitantes, e Piracicaba (SP) registraram 100% de cobertura de coleta de
esgoto no período. Mas ainda faltam alguns investimentos no tratamento de água
potável. Paranhos afirma que há 1.700 famílias que precisam ser
atendidas.
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