Em Coluna, Ricardo Lobato explica a curiosa história da inauguração da primeira linha brasileira de transporte aéreo militar
Já era noite quando, em 12 de junho de 1931, dois jovens desceram de
um táxi e entregaram uma mala postal na estação central dos Correios de
São Paulo. Seria apenas mais um fato corriqueiro, não fosse esse
acontecimento a inauguração da primeira linha brasileira de transporte
aéreo militar.
O táxi fora a última etapa de uma longa jornada que começara a centenas de quilômetros dali, no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Essa viagem marcou o início do Correio Aéreo Nacional (CAN).
Nas
décadas de 1920 e 1930, o uso comercial da aviação ainda se encontrava
em seus primórdios. Mais que um novo instrumento de combate — como no
caso da Primeira Guerra — o aeroplano passava, pouco a pouco, a
interligar distâncias antes imensuráveis.
Não era apenas o início de uma nova fase de explorações, era também o
início das companhias de transporte, de correspondência e de
passageiros.
Aproximando as distâncias e encurtando o tempo de viagem, a aviação se firmava como um serviço cada vez mais necessário. O Brasil contava com um correio aéreo desde 1927, porém, era parte de uma rede maior da companhia francesa Aéropostale, que operava na América do Sul desde o ano anterior, tendo como parte de sua rota as cidades de Natal e do Rio de Janeiro.
A
Aéropostale fora, inclusive, precursora nesse tipo de serviço. Entre
seus pilotos, havia diversos ases da aviação, como o piloto escritor
Antoine de Saint-Exupéry, diretor de sua filial sul-americana. No
entanto, por problemas financeiros ocasionados pela crise de 1929, a
companhia encerrou suas atividades na América do Sul no início da década
de 1930.
Com um corpo aéreo militar desde 1919, as Forças Armadas
não estavam alheias aos progressos aeronáuticos. E para dar um retorno à
sociedade, em 1931 o então ministro da Guerra, general Leite de Castro,
atendeu ao apelo de um grupo de jovens aviadores militares que ansiava
partir da teoria para a prática.
O ministro autorizou a criação do
Correio Aéreo Militar (CAM), que tinha o objetivo de “auxiliar na
integração nacional”. O comando da nova Unidade Aérea foi entregue ao
major Eduardo Gomes, que confiou a dois de seus pilotos, os tenentes
Casemiro Montenegro e Nelson Lavenére-Wanderley, sua primeira missão:
iniciar um serviço aéreo entre as cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo.
A bordo de uma aeronave Curtiss “Fledging” de matrícula
K263, apelidada de “Frankenstein”, partiram com uma mala postal — apenas
duas cartas — rumo a São Paulo. A autonomia de voo era de cinco horas e
meia. Optaram por uma rota que passava por cima das altas montanhas do
litoral.
Apesar do céu claro, encontraram uma forte corrente de ar, obrigando-
os
a diminuir a velocidade. A viagem durou cinco horas e vinte minutos,
fazendo com que chegassem com o tanque quase vazio e com as luzes da
cidade já acesas. Para completar, tiveram dificuldades de localizar o
Campo de Marte, onde deveriam pousar, tendo de aterrissar, então, na
antiga sede do Jockey Club, na Mooca.
Com o local deserto (mas uma
missão a cumprir), pularam o muro e tomaram um táxi, que os levou
finalmente ao destino, entregando o malote nos Correios da Avenida São
João. Três dias depois, retornariam ao Rio de Janeiro com mais
correspondência, desta vez optaram pela “rota do Vale do Paraíba”, mais
curta e rápida. A missão fora cumprida e o primeiro passo fora dado.
Baseado
nesse sucesso, nos meses seguintes o Correio Aéreo se espalhou pelo
país, consolidando-se como um instrumento da tão almejada integração
nacional brasileira.