BBC BRASIL
Quatro das 12 equipes que formam
as categorias de base do Flamengo estão em treinamento para os campeonatos que
começarão em março: sub-14, sub-15, sub-16 e sub-17. Mas as duas últimas
tiveram o treino desta sexta-feira cancelados por conta das fortes chuvas que
atingiram o Rio no dia anterior, e foram autorizados a voltar para suas cidades
mais cedo. Isso pode ter evitado mais mortes no incêndio que atingiu o
alojamento no Ninho do Urubu, no Rio de Janeiro, que deixou 10 meninos mortos e
três feridos - um deles em estado grave.
A maior parte do elenco de base
do clube, porém, está de férias.Mas como é a rotina desses meninos e como eles
são contratados por grandes times de futebol como o Flamengo? A BBC News Brasil
ouviu especialistas e funcionários do Flamengo para saber como é o dia a dia
dos adolescentes que sonham em ser atletas profissionais.
Quem pode morar no alojamento dos
clubes?
Os alojamentos são construídos
pelos clubes para que os jogadores de outras cidades possam morar próximo ou
dentro do local onde treinam. Quem mora no Rio de Janeiro, dorme em suas
próprias casas e se apresenta ao Centro de Treinamento apenas nos horários de
treino ou antes dos jogos.
No fim de semana, até mesmo os
meninos alojados voltam para casa. De acordo com funcionários do Flamengo
ouvidos pela reportagem, hoje o time tem entre 40 a 45 atletas alojados no
clube.
Quando esses adolescentes
completam 18 anos, eles deixam a base e passam a morar em apartamentos pagos
pelo clube ou por seus empresários. São 12 categorias, do sub-7 ao sub-20, com
cerca de 30 jogadores. Alguns, porém, jogam em duas categorias, como jogadores
do sub-15, que também são autorizados a jogar pelo time sub-16 ou sub-17.
O gerente-geral das categorias de
base do Vasco, Carlos Brazil, diz que os meninos da base vascaína que moram em
áreas consideradas de risco também recebem permissão para dormir no alojamento.
"Quando eles moram numa
comunidade muito perigosa, os próprios pais pedem para que a gente os coloque
no alojamento. Isso acontece quando eles também moram em cidades muito
distantes, como Volta Redonda. Mas quem mora no Vasco tem alojamento, psicóloga
e até escola", afirmou Brazil.
Como é feita a seleção desses
jogadores?
O comentarista esportivo da ESPN
Paulo Calçade diz que hoje a maioria dos jogadores da base é contratada por uma
rede de observadores dos clubes - e não mais pelas famosas
"peneiras", populares nas últimas décadas.
"Clubes grandes fazem testes
com meninos que alguém leva. Alguns já nascem com empresários e ficam com eles
até jogar na categoria profissional. Raramente, um clube maior faz uma peneira
porque ela acontece de uma forma horrorosa. Você dá 5 minutos para um menino
jogar bola e você avalia. Muitas vezes, eles nem se alimentaram direito e
viajaram durante horas. O mais correto é período de testes", afirma
Calçade.
Em entrevista à BBC News Brasil,
o comentarista afirma que hoje as bases da maior parte dos clubes brasileiros
não têm a estrutura necessária para cuidar e formar os adolescentes de maneira
adequada.
"Eu vejo a base como uma
escola, onde você deveria ter todo o tipo de aprendizado. Mas hoje temos
depósitos de gente para ver se crescem. É cruel. É uma área que a gente precisa
ter uma investigação e um cuidado maior porque a cada 3 mil garotos que tentam
essa carreira, apenas um vira profissional", diz Calçade.
O gerente-geral da base do Vasco
disse que o time carioca tem quase 20 observadores que percorrem torneios,
campeonatos e até peladas no Rio em busca de talentos. Ainda há olheiros do
clube em outros Estados.
Mas ele afirma que não há mais
"peneiras" no Vasco, assim como na maior parte dos grandes clubes
brasileiros.
"No vasco, a gente tem
processos de treinamento. Os pais inscrevem os meninos, entregam exames,
comprovante escolar e as crianças participam de um treino de duas semanas. Se
tiverem boa projeção, eles ficam", afirmou Carlos Brazil.
No clube, segundo Brazil, os
adolescentes recebem conhecimento tático, assistência social psicológica e
nutrição. Os jogadores só podem morar no clube após completar 14 anos.
"Temos que tomar esses
cuidados porque a maior parte desses garotos não se tornam jogadores
profissionais, e temos a responsabilidade de formá-los como humanos. Tomamos
cuidado até quando eles não passam na captação. Nossa orientação é que eles
façam uma nova apenas depois de um ano e que os pais busquem outro clube como
alternativa", afirmou.
Quais são as possíveis causas do
incêndio?
O vice-governador do Rio de
Janeiro, Claudio Castro, afirmou que o incêndio pode ter sido iniciado por uma
pane no ar-condicionado do alojamento onde os jovens dormiam, mas ainda não há
informações oficiais sobre as causas.
Um dia antes, o forte temporal que
acometeu o Rio na noite de quarta-feira teve forte impacto sobre a sede do
Flamengo na Gávea, na zona sul do Rio, causando alagamento, derrubando árvores
e destruindo estruturas.
O Centro de Treinamento do
Flamengo é uma edificação recente, construída em 2014, e teria uma estrutura
moderna, usada tanto pelas categorias de base quanto pela equipe de futebol
profissional. Homens do Corpo de Bombeiros continuam a trabalhar no local. O
alojamento era formado por contêineres interligados.
Segundo o portal de notícias G1,
o Flamengo não tinha certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros, que atesta
a existência e o funcionamento dos dispositivos contra incêndio previstos pela
legislação vigente.
Em nota, a Prefeitura do Rio de
Janeiro afirmou ainda que "a área de alojamento atingida pelo incêndio não
consta do último projeto aprovado pela área de licenciamento, em 05/04/18, como
edificada" e que "no projeto protocolado, a área está descrita como
um estacionamento".
Luto
A Federação de Futebol do Estado
do Rio de Janeiro cancelou todos os jogos que estavam marcados para o fim de
semana no Estado.
Em nota, o presidente da
República, Jair Bolsonaro, se solidarizou com a dor dos familiares e lamentou a
"triste tragédia" que vitimou "jovens vidas que iniciavam sua caminhada
rumo à realização de seus sonhos profissionais".
O governador do Rio de Janeiro,
Wilson Witzel, decretou luto oficial de três dias. "Quero manifestar meu
mais profundo pesar por essas tragédias e prestar solidariedade às famílias das
vítimas. Que Deus os receba e abençoe", disse.
"Obviamente, estamos todos
consternados, essa é certamente a maior tragédia que o clube já passou nos
últimos 123 anos. O mais importante é a gente se dedicar a minimizar o
sofrimento dos familiares", afirmou Rodolfo Landim, presidente do
Flamengo.
O número de mortes provocadas por
incêndio no Brasil foi, em média, de 991 por ano, entre 2007 e 2016 (último ano
com dados oficiais). O recorde foi em 2013, com 1.261 vítimas. Naquele ano, 242
pessoas morreram no incêndio na Boate Kiss, no Rio Grande do Sul.
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