Por Letras Ambientais
No Brasil, embora seja muito comum se associarem episódios
de secas restritos apenas à região semiárida, esses eventos climáticos estão
bem distribuídos pelo País. É o que mostra uma pesquisa sobre o Perfil dos Municípios
Brasileiros (Munic), divulgada na última quinta-feira, dia 05 de julho, pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o
estudo, no período de 2013 a 2017, praticamente metade dos 5.570 municípios
brasileiros (48,6%) registrou algum evento de seca, totalizando 2.706
municípios a registrarem esses eventos climáticos no Brasil.
A seca afeta os 1.262 municípios integrantes do Semiárido
brasileiro. Nesses locais, em geral, a população enfrenta uma situação crônica em seu abastecimento hídrico. Além da
região semiárida, um total de 1.444 municípios de outras regiões do País também
são afetados pela seca.
Diante desse
cenário, há outro aspecto fundamental demonstrado pela pesquisa do IBGE: em
2017, a maioria dos municípios afetados pela seca (59%) não contavam com um instrumento
orientado à prevenção de desastres naturais e apenas 14,7% tinham um
plano específico de contingência e/ou de
prevenção à seca.
Seca se espalha
pelas regiões do País
A região mais
afetada pela seca no Brasil é o Semiárido, onde o evento climático pode durar até 11 meses, em algumas áreas, sob
condições historicamente normais, ou seja, apenas pelas características de
semiaridez de determinadas localidades, mesmo quando não ocorrem secas
prolongadas. É o caso das áreas mais secas do Brasil, a exemplo dos Cariris, na
Paraíba, e do Raso da Catarina, na Bahia, onde, em anos de secas extremas, os
registros de chuvas podem ficar abaixo de 200 mm ou em torno de 400 mm, respectivamente.
Mas existem diversas outras regiões do
Brasil nas quais a seca tem provocado severa crise na disponibilidade de água à
população e também às mais importantes atividades e setores produtivos
vulneráveis aos impactos do evento climático.
Recentemente,
algumas das mais importantes cidades brasileiras se encontraram na iminência de
um colapso no seu abastecimento hídrico. Foi o caso de São Paulo, na região Sudeste, com mais
de 20 milhões de habitantes em sua área metropolitana e considerada a cidade
mais próspera do País. No período de 2014-2016, a cidade enfrentou uma severa
seca, provocando a pior crise hídrica já registrada naquela região.
A seca também
atingiu Brasília, a Capital Federal, no Centro-Oeste do País, a enfrentar
atualmente uma crise hídrica sem precedentes em sua história. O evento
climático afetou ainda a Amazônia, na região Norte do Brasil. Nos últimos anos,
a seca tem se tornado mais frequente naquele bioma e tem sido indicada
como fator agravante da ocorrência de incêndios florestais.
Um desastre natural no Semiárido brasileiro
No período de 2010-2017, o
Semiárido brasileiro enfrentou a “Seca do Século”, considerada a pior já
registrada na história do País. O fenômeno, com intensidade, abrangência e duração sem
precedentes até então, acarretou consequências devastadoras à população,
economia e governos, tomando proporções de desastre natural.
Em 2012, quando houve o pico do
extremo climático, todos os municípios do Semiárido brasileiro decretaram
Situação de Emergência, alguns deles reconhecidos mais de uma vez nessa
condição. Esse reconhecimento oficial da ocorrência de desastre natural nos
municípios, por ocasião dos impactos da seca, garante ajuda do governo
brasileiro com recursos públicos para que sua população atravesse a crise.
No livro “Um século de secas: por
que as políticas hídricas não transformaram o Semiárido brasileiro?” (Editora
Chiado, Portugal), os autores analisaram, de forma inédita, a história das
secas na região, durante o período de 1901-2016, identificando e avaliando as
respostas apresentadas pelos governos, em termos de políticas e ações de
adaptação, de acordo com a severidade de cada evento climático.
Prejuízos da seca nas
regiões brasileiras
De
acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, de 1991 a 2012, foram
registrados 39.837 desastres naturais no Brasil. Desse total, os episódios de
estiagem e seca totalizaram 19.517 registros oficiais, representando 48% dos
registros nacionais. A distribuição dos eventos de seca e estiagem entre as
regiões brasileiras, durante o período, está representada abaixo:
Região
|
Registros
de
secas
(%)
|
Nordeste
|
56,68
|
Sul
|
26,91
|
Sudeste
|
13,39
|
Norte
|
1,08
|
Centro-Oeste
|
0,94
|
O
Nordeste, região brasileira mais afetada por essa tipologia de desastre, registrou
quase 60% dos episódios de secas e estiagens no Brasil. A grande maioria dos
desastres naturais naquela região (78,4%) corresponde a eventos de estiagens e
secas.
Há uma diferença entre seca e
estiagem. A primeira consiste na ausência de chuvas por um período prolongado,
afetando a população e os setores produtivos, em função da escassez crônica de
água. As estiagens ocorrem quando há uma sensível redução de chuvas, causando
prejuízos à produção agropecuária. As estiagens são menos intensas em relação
às secas e ocorrem em períodos de tempo menores. Todavia, por se tornarem
frequentes, também têm causado grandes impactos econômicos.
De acordo com o Anuário
Brasileiro de Desastres Naturais, em 2013, um total de 4.433 municípios
brasileiros foram afetados por algum tipo de desastre natural, dos quais, cerca
de 71% foram decorrentes de seca e estiagem. Naquele ano, o Semiárido foi a região brasileira
mais atingida pelos eventos de seca e estiagem, com um total de 3.096 registros
de ocorrência desse tipo de desastre em seus municípios. Um total de quase 12
milhões de pessoas foram afetadas pela seca e estiagem no País.
Os números da
seca são impressionantes, e não param por aí. Os impactos da seca afetam os setores econômicos da agricultura, pecuária,
indústria, serviços e a comunidade em geral, desestruturando o funcionamento
das atividades produtivas de diversas regiões brasileiras, principalmente na
região Nordeste.
No período de 1995-2014, o total
de danos materiais e prejuízos (públicos e privados) causados por desastres
naturais derivados de eventos climatológicos no Brasil foram estimados em R$ 100 bilhões. Deste total, cerca de
75% estão diretamente vinculados às estiagens e secas a afetarem frequentemente
o Nordeste e as demais regiões do Brasil. Os dados são de um Relatório do Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa
Civil (Ceped).
Os danos materiais se referem às informações de danos em habitações e
infraestruturas, bem como em instalações públicas e privadas, apresentadas em
número de registros e em valores monetários. Já os prejuízos se relacionam às perdas reportadas nos setores público e
privado. Para este último, os valores informados são dos setores de
agricultura, pecuária, indústria e serviços.
Segundo os pesquisadores, esses
resultados são reconhecidamente subestimados, em função de os dados disponíveis
serem limitados. Em geral, os registros de desastres naturais só são feitos nos
casos mais graves, quando o município não consegue lidar com o evento extremo e
precisa de auxílio financeiro dos governos. Além disso, a pesquisa considera
apenas as informações reportadas pelas Defesas Civis aos estados e à União, bem
como somente os impactos diretos.
Qual a capacidade do Brasil para lidar com a seca?
Lidar com a seca é um desafio de
longa data no Brasil. Apesar disso, o País ainda não desenvolveu uma capacidade
adequada de resposta à gestão desses eventos climáticos extremos. Nos locais
onde se desenvolvem as atividades dos principais setores produtivos
(agropecuário, hídrico, industrial etc.), extremamente vulneráveis aos impactos
do evento climático, ainda não se dispõe de uma infraestrutura e um preparo da
população para adaptação à seca.
Por que isso ocorre? Primeiramente,
destaco o fato de o Brasil ainda não possuir um plano permanente para fazer
frente aos impactos da seca. Em seguida, ressalto a desarticulação e
fragmentação das ações de governos (municipais, estaduais e federais) para
adaptação à seca. As organizações civis desempenham hoje um papel importante na
gestão das secas, mas também necessitam integrar um plano de ação mais amplo e
coordenado. A gestão do risco de secas requer um alto nível de articulação
entre as instituições e entidades civis para definir programas consistentes e
estratégias políticas de adaptação às secas. Também exige aspectos como
qualificação de pessoal e sistemas robustos de monitoramento/gerenciamento das
secas.
Desde fins do século XIX,
ocorreram secas de impacto severo ou extremo na área semiárida brasileira. Para
saber mais sobre a história das políticas de enfrentamento a cada um desses
eventos climáticos extremos, recomendamos a leitura do livro “Um século de secas”.
A obra apresenta um panorama da atual política de gestão das secas no Semiárido
brasileiro.
Frequentemente, a ênfase dos
governos do Brasil recaía sobre políticas emergenciais para a seca, ações em
geral tardias, centralizadas, sem o adequado planejamento e insuficientes para
resolver o problema. Outro aspecto comum foi a falta de participação da
população na elaboração de políticas para adaptação às secas, provocando a
definição de ações descontextualizadas da realidade do Semiárido brasileiro.
Lições da “Seca do Século”
A “Seca do Século” (2010-2017)
deixou importantes lições para o Brasil, principalmente chamou atenção para o
quanto continuamos despreparados para enfrentar um extremo climático de tamanha
gravidade, tendo tomado proporções de desastre natural no Semiárido brasileiro.
É possível que esses eventos climáticos tornem-se cada vez mais comuns, diante
das ameaças do processo de mudanças climáticas, a aumentar a intensidade e
frequência das secas.
Apesar da gravidade
da “Seca do Século”, pouco foi feito no Brasil, em termos de ações estruturais
e não estruturais, com foco na gestão integrada do risco de desastres naturais
dessa magnitude e abrangência.
O ano de 2017, em
função do fenômeno La Niña, no oceano
Pacífico, rompeu um longo ciclo de secas no Semiárido brasileiro. Todavia, o
monitoramento ambiental, realizado pelo Laboratório de Análise e Processamento
de Imagens de Satélites (Lapis), mapeou, esta semana, a ocorrência de secas,
novamente, em quase todo o Semiárido brasileiro, conforme imagem de satélite
abaixo.
As cores em amarelo e
vermelho mostram, no mapa acima, áreas de seca moderada e seca grave,
respectivamente. De fato, desde maio, estamos na estação seca na região. As
previsões climáticas ainda não definiram se estamos diante dos primeiros sinais
de uma nova seca prolongada.
De qualquer forma, é importante
fortalecer e integrar os diversos
mecanismos de monitoramento, previsão e alerta precoce da seca, a fim de
acompanhar sua severidade, evolução espacial e temporal, como também seus
impactos sobre os diferentes setores econômicos.
Um aviso tardio sobre a ocorrência de secas pode trazer
prejuízos incalculáveis a uma região, setor produtivo ou comunidade. Sendo
assim, elaborar ferramentas de apoio à decisão, como informações sobre previsão
climática, situação da saúde da vegetação, umidade dos solos, temperatura da
superfície da terra, são fundamentais para subsidiar a gestão e a política para
as secas. A exemplo do Sistema de Monitoramento e Alerta para a Cobertura
Vegetal da Caatinga (SimaCaatinga), para a gestão do risco agrícola no Semiárido
brasileiro.
Conclusões
Os impactos da seca se espalham por municípios das diversas
regiões brasileiras, sendo mais graves no Semiárido. Cerca de 60% dos
municípios afetados pela seca não desenvolvem instrumentos para evitar que o
evento climático tome proporções de desastre natural.
Sendo assim, fortalecer as ações de monitoramento e gestão
das secas nesses municípios é
o primeiro passo para uma melhor política e gestão das secas no Brasil, em direção
à uma mudança de abordagem, da gestão emergencial/reativa à preparação e
gerenciamento proativos, permitindo uma melhor adaptação à seca.
E você, acredita que os prejuízos do Brasil com a seca podem
ser reduzidos? Que ações podem ser implementadas para evitar que a seca tome
proporção de desastre natural?
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