Desde o começo da pandemia, mais de 60 corpos já foram enterrados
no Rio Grande do Norte em caixões lacrados, por suspeita ou confirmação
de covid-19. São dezenas de famílias que, além de ter que lidar com a
perda de seu parentes e entes queridos, foram privadas da despedida
desde a hora que o familiar entrou nas Unidades de Terapia Intensiva
(UTI), e também dos enterros e funerais, que tiveram seus protocolos
transformados para evitar uma disseminação ainda maior da doença. Os
enterros são feitos às pressas, com público máximo de 10 pessoas, muitas
vezes no mesmo turno em que o óbito é confirmado pelas unidades
hospitalares. Apesar de ainda não estar em uma situação tão grave quanto
em estados vizinhos, como Ceará e Pernambuco, que já registram centenas
de mortes pela doença, os cemitérios públicos e privados do Rio Grande
do Norte já sentem o impacto do aumento na demanda e, as famílias, o
impacto da perda somado à impossibilidade de dizer adeus.
O enfermeiro Luiz Alves Sobrinho foi a terceira vítima confirmada
de Coronavírus no Estado, no dia 4 de abril. Sua irmã, a jornalista
Concita Alves, conta que às feridas deixadas pela partida do irmão ainda
não sanaram, e que “o velório continua até hoje dentro de nós”.
“Meu irmão, Luiz Alves, técnco em enfermagem e socorrista do Samu,
foi a terceira vítima do estado. Não tivemos nem o direito sagrado de
uma despedida, de velar seu corpo, de nos abraçarmos, de acolhermos uns
aos outros, de um simples adeus, ou até logo. O velório está sendo até
hoje dentro de cada um de nós.”, diz a jornalista.
Desde a morte de Luiz, ela trabalha para tentar arrecadar
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para os profissionais da
saúde. Quando contraiu a doença, assim que os primeiros casos foram
confirmados no RN, o socorrista já havia relatado da preocupação com a
falta de equipamentos suficientes para os profissionais que estavam
atuando na linha de frente de combate à doença.
“Reforço a orientação da OMS para que todos fiquem em casa. O
covid-19 não é uma gripizinha. Não relativizem a gravidade de tudo isso.
Uma pandemia pode destruir toda a humanidade.”, diz Concita. “O mais
cruel de tudo isso é que não temos nem direito ao silêncio e
recolhimento do luto, pois todos os dias outras pessoas estão sofrendo e
perdendo pessoas amadas pela mesma causa." completa.
Residente de Natal, o professor universitário Rubens Ramos foi
outro que foi privado de se despedir do pai, Rubson Barreto Ramos, que
faleceu em Fortaleza no dia 12 de abril. O professor conta que o pai,
que tinha 82 anos, faleceu por volta das 17h30 em um hospital de
Fortaleza, onde estava internado. Até a última quarta-feira, a capital
cearense já havia registrado 441 mortes pela doença, além de possuir
7.267 casos confirmados. Às 19h, ele recebeu a ligação do hospital
comunicando o óbito, e foi informado de que o corpo precisaria ser
retirado o mais breve possível.
“É uma situação muito cruel e muito rápida. Você fica sabendo da
morte às 19h, no Hospital. Na sequência, vem um funcionário pedindo para
que você tire o corpo às 7h da manhã, para enterrar às 8h. Você tem que
fazer tudo correndo. Não tem velório, ninguém tem tempo de nada.
Somente dez pessoas podem acompanhar o enterro, não há abraços, nem
beijos. Todo o processo é muito traumático. Não basta a morte, você não
consegue fazer o mínimo que se faz sempre para se despedir”, relata o
professor.
O professor conta que em Fortaleza, quem morre de manhã ou à tarde,
tem o corpo retirado imediatamente, e é enterrado no mesmo turno. “É
algo muito chocante para a família, porque a gente não conseque sequer
dar o "adeus" na UTI. A partir do momento que aquela pessoa entra na
UTI, você não tem mais contato, ela desaparece. Você é desligado dela, e
nunca mais vai vê-la, nem no enterro”, completa.
Para tentar organizar uma despedida para o pai, Rubens conseguiu
fazer uma transmissão online, que permitiu que outras pessoas que não
puderam estar presentes se despedissem. O mesmo foi feito com a missa de
sétimo dia, cerimônia que não pode ser realizada presencialmente, em
virtude das regras de isolamento social. “Consegui contornar um pouco
esse processo, porque tenho acesso às ferramentas, mas tem famílias que
não conseguem sequer fazer isso. Em Fortaleza, tem famílias que deixam
um caixão na porta do cemitério, e ele vai sozinho ser enterrado. Muitas
são compostas por idosos, que por serem grupos de risco, não podem ir
ao enterro de seus entes queridos. É uma perda dupla, tripla, que parece
que não vai ter fim. Você é privado de algo em todas as etapas”.
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