segunda-feira, 4 de maio de 2020

Covid-19 impõe enterros sem velórios e caixões lacrados

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Desde o começo da pandemia, mais de 60 corpos já foram enterrados no Rio Grande do Norte em caixões lacrados, por suspeita ou confirmação de covid-19. São dezenas de famílias que, além de ter que lidar com a perda de seu parentes e entes queridos, foram privadas da despedida desde a hora que o familiar entrou nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), e também dos enterros e funerais, que tiveram seus protocolos transformados para evitar uma disseminação ainda maior da doença. Os enterros são feitos às pressas, com público máximo de 10 pessoas, muitas vezes no mesmo turno em que o óbito é confirmado pelas unidades hospitalares. Apesar de ainda não estar em uma situação tão grave quanto em estados vizinhos, como Ceará e Pernambuco, que já registram centenas de mortes pela doença, os cemitérios públicos e privados do Rio Grande do Norte já sentem o impacto do aumento na demanda e, as famílias, o impacto da perda somado à impossibilidade de dizer adeus.
Até a última quinta-feira (30), 56 óbitos já haviam sido confirmados pela doença no Estado, e outros 12 permanecem em investigação. De acordo com o Portal da Transparência dos Registros Civis, do dia 16 de março de 2020 ao dia 30 de abril, o Estado havia registrado 91 mortes por insuficiência respiratória, 253 mortes por pneumonia, 12 por Síndrome Respiratória Aguda Grave e outras 17 por causas indeterminadas. Desde o começo da pandemia, as mortes por causas que podem estar relacionadas ao Coronavírus passam por um tratamento diferente, com a determinação de serem enterrados em caixões fechados ou lacrados.

O enfermeiro Luiz Alves Sobrinho foi a terceira vítima confirmada de Coronavírus no Estado, no dia 4 de abril. Sua irmã, a jornalista Concita Alves, conta que às feridas deixadas pela partida do irmão ainda não sanaram, e que “o velório continua até hoje dentro de nós”.

“Meu irmão, Luiz Alves, técnco em enfermagem e socorrista do Samu, foi a terceira vítima do estado. Não tivemos nem o direito sagrado de uma despedida, de velar seu corpo, de nos abraçarmos, de acolhermos uns aos outros, de um simples adeus, ou até logo. O velório está sendo até hoje dentro de cada um de nós.”, diz a jornalista.

Desde a morte de Luiz, ela trabalha para tentar arrecadar Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para os profissionais da saúde. Quando contraiu a doença, assim que os primeiros casos foram confirmados no RN, o socorrista já havia relatado da preocupação com a falta de equipamentos suficientes para os profissionais que estavam atuando na linha de frente de combate à doença.

“Reforço a orientação da OMS para que todos fiquem em casa. O covid-19 não é uma gripizinha. Não relativizem a gravidade de tudo isso. Uma pandemia pode destruir toda a humanidade.”, diz Concita. “O mais cruel de tudo isso é que não temos nem direito ao silêncio e recolhimento do luto, pois todos os dias outras pessoas estão sofrendo e perdendo pessoas amadas pela mesma causa." completa.

Residente de Natal, o professor universitário Rubens Ramos foi outro que foi privado de se despedir do pai, Rubson Barreto Ramos, que faleceu em Fortaleza no dia 12 de abril. O professor conta que o pai, que tinha 82 anos, faleceu por volta das 17h30 em um hospital de Fortaleza, onde estava internado. Até a última quarta-feira, a capital cearense já havia registrado 441 mortes pela doença, além de possuir 7.267 casos confirmados. Às 19h, ele recebeu a ligação do hospital comunicando o óbito, e foi informado de que o corpo precisaria ser retirado o mais breve possível.

“É uma situação muito cruel e muito rápida. Você fica sabendo da morte às 19h, no Hospital. Na sequência, vem um funcionário pedindo para que você tire o corpo às 7h da manhã, para enterrar às 8h. Você tem que fazer tudo correndo. Não tem velório, ninguém tem tempo de nada. Somente dez pessoas podem acompanhar o enterro, não há abraços, nem beijos. Todo o processo é muito traumático. Não basta a morte, você não consegue fazer o mínimo que se faz sempre para se despedir”, relata o professor.

O professor conta que em Fortaleza, quem morre de manhã ou à tarde, tem o corpo retirado imediatamente, e é enterrado no mesmo turno. “É algo muito chocante para a família, porque a gente não conseque sequer dar o "adeus" na UTI. A partir do momento que aquela pessoa entra na UTI, você não tem mais contato, ela desaparece. Você é desligado dela, e nunca mais vai vê-la, nem no enterro”, completa.

Para tentar organizar uma despedida para o pai, Rubens conseguiu fazer uma transmissão online, que permitiu que outras pessoas que não puderam estar presentes se despedissem. O mesmo foi feito com a missa de sétimo dia, cerimônia que não pode ser realizada presencialmente, em virtude das regras de isolamento social. “Consegui contornar um pouco esse processo, porque tenho acesso às ferramentas, mas tem famílias que não conseguem sequer fazer isso. Em Fortaleza, tem famílias que deixam um caixão na porta do cemitério, e ele vai sozinho ser enterrado. Muitas são compostas por idosos, que por serem grupos de risco, não podem ir ao enterro de seus entes queridos. É uma perda dupla, tripla, que parece que não vai ter fim. Você é privado de algo em todas as etapas”.

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