domingo, 5 de maio de 2019

Bairro da Ribeira vive cenário de abandono e deterioração

Se é o litoral que serve de cartão postal de Natal para turistas, foi na beira do rio que a cidade surgiu. O bairro da Ribeira, o primeiro da cidade, surgido às margens do rio Potengi, já foi o reduto do comércio potiguar, de um porto com atividades intensas e ponto de encontro da boemia natalense. Hoje, o tempo da Ribeira é outro, e os prédios deteriorados são uma lembrança permanente de um passado que já não existe. De três farmácias na rua Doutor Barata, hoje não resta nenhuma no bairro inteiro. Da Samaritana, a antiga loja de tecidos construída em um prédio imponente, resta apenas a fachada, interditada pela Defesa Civil sob risco de cair a qualquer momento. Na Rua Chile, o Centro Cultural Dosol, que marcou gerações da cultura alternativa da cidade, também anunciou o encerramento de suas atividades no bairro, revelando um cenário de abandono que vem se aprofundando dia a dia no mais antigo bairro de Natal.
Rua Chile revela o cenário de abandono que se aprofunda na Ribeira. Os que trabalharam e viveram por décadas no mais antigo bairro de Natal lamentam a deterioração

Aqueles que trabalharam e viveram por décadas no bairro, contam que a mudança foi gradual. Em um local cujo principal propulsor sempre foi o porto, o espaço conquistado pelo transporte rodoviário de cargas nacionalmente representou um baque considerável. “Antes as cargas chegavam aqui aos montes: cervejas, tecidos, peixes. Era muita coisa. A gente descarregava os navios, e as cargas já enchiam as lojas. Quando a água foi sendo trocada pela estrada, começamos a sentir os primeiros baques. Hoje, só tem o que descarregar praticamente sexta, sábado e domingo”, conta Pedro Araújo. Dos seus 76 anos de vida, 38 foram trabalhando como estivador no porto.
Sua antiga profissão, de acordo com ele, está desaparecendo. “Hoje em dia você pergunta o que é estivador e um menino novo não vai saber. A gente descarregava tudo, tirava dos navios e abastecia o comércio. Era muito movimento. Tinha ruas, como a Frei Miguelinho, que quando dava 10 horas da manhã, não dava nem pra andar de tanta gente”, relata o estivador aposentado. Na época que se filiou ao Sindicato dos Estivadores, eram cerca de 120 filiados. Hoje, de acordo com ele, o número caiu pela metade. “E a gente tem medo que caia ainda mais com esses negócios errados que andam fazendo por aí, porque hoje o porto vive basicamente graças às frutas”, afirma.

O “negócio errado”, ao qual Pedro se refere, foram as 3,4 toneladas de cocaína encontradas misturadas às cargas de manga e melão, com destino à Europa, no porto de Natal nos primeiros meses de 2019. As apreensões feitas nesse ano fizeram com que o estado alcançasse a segunda colocação do país em termos de quantidade de cocaína apreendida, ficando atrás apenas no Paraná, o que preocupa aqueles que tem no porto sua subsistência.
Não era apenas do trabalho, no entanto, que vivia o bairro. Reduto da boemia natalense, a Ribeira era o local onde se reuniam desde os trabalhadores do porto e do comércio, a universitários, poetas e artistas. Hoje, a maior parte dos eventos se concentra na rua Chile, onde fica o barracão da escola de samba Balanço do Morro, no qual acontecem eventos esporádicos, e também outros bares, frequentados principalmente pela juventude natalense. Os moradores mais velhos, no entanto, sentem falta dos tempos em que, na Ribeira, os bares eram cheios e as festas entravam pela madrugada.
“A gente sente falta, sabe? Era bom demais. Eu fechava a loja e ia tomar uma cervejinha com os amigos aqui perto mesmo. Aqui dava pra andar à pé às 3h da madrugada. Tinha de tudo, mas principalmente, tinha movimento. Era seguro”, relata Aldenor Rodrigues, de 71 anos, que há 50 trabalha no bairro, primeiro como farmacêutico, depois na loja herdada pelo sogro, de mecânica em refrigeração.
“Já fiz muito dinheiro aqui. Hoje, quando dá uma hora da tarde, às vezes fecho tudo por falta de movimento. Não tem nada aqui.”, conta. A insegurança, de acordo com ele, é um dos principais problemas do bairro, e está diretamente relacionado com o fechamento das lojas e redução do número de pessoas que circulam após o fechamento das poucas repartições públicas que permanecem no local.
Números
22 é o número de imóveis interditados pela defesa civil na inspeção feita em 2018
45 prédios tombados estão marcados como imóveis de destaque, com maior nível de restrição para intervenções determinado pelo Iphan

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