Liderança do MST fala sobre os próximos passos da esquerda após vitória de Jair Bolsonaro
“Saímos desse processo aglutinados, com capacidade e força organizada para resistir à pretensa ofensiva fascista”. A afirmação é de João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sobre o resultado das eleições presidenciais.
Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, logo após a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), Stédile ressaltou que apesar da derrota eleitoral, a vitória política
é do campo progressista, que criou uma forte unidade nas últimas
semanas. Na sua opinião, o governo Bolsonaro, com início em 1º de
janeiro de 2018, deverá se assemelhar ao governo Pinochet, no Chile,
devido a sua natureza fascista.
“É um governo que vai usar todo o tempo a repressão, as ameaças, o
amedrontamento. Vai liberar as forças reacionárias que estão presentes
na sociedade. Por outro lado, ele vai tentar dar liberdade total ao
capital em um programa neoliberal. Porém, essa fórmula é inviável, não
dá coesão social e não resolve os problemas fundamentais da população”,
diz Stédile.
Confira a íntegra da entrevista.
O que dizer para as mais de 46 milhões de pessoas que votaram no candidato Fernando Haddad, apoiado pelo MST?
Ainda estamos no calor dos resultados e precisamos, acima de tudo,
ter muita serenidade e entender o contexto da luta de classe e não nos
considerarmos derrotados por esse resultado. Ainda que as urnas tenham
dado legitimidade ao Bolsonaro, não significa que ele teve a maioria do
apoio da população. Há um alto índice de abstenção, 31 milhões. O Haddad
teve 45 milhões. Só ai são 76 milhões de brasileiros que não votaram no
Bolsonaro.
Portanto, a sociedade brasileira está dividida. Mesmo o resultado
eleitoral, do que eu pude acompanhar já nas pesquisas anteriores, ficou
claro que quem está apoiando o projeto do Haddad é quem ganha menos, de
dois a cinco salários mínimos. Quem tem até o ensino fundamental, e
claramente, os mais ricos e abastados, votam no Bolsonaro.
Mas também houve uma divisão eleitoral clara, geograficamente. Quando
olhamos para o mapa do Brasil com os governadores eleitos, temos 12
candidatos progressistas do campo popular que vai desde o Pará até o
governador Renato Casagrande (PSB) no Espírito Santo. O Nordeste e
aquela parte da Amazônia
são um polo de resistência geográfico que demonstram claramente que
aquela população não quer seguir os rumos do projeto fascista de
Bolsonaro.
Por último, como um breve balanço, como todos estão comentando, além
do que o resultado eleitoral, a última semana consagrou uma vitória
política da esquerda e dos movimentos populares. Tivemos inúmeras
manifestações de todas as forças organizadas. Sindicatos, intelectuais,
estudantes, universidades.
Nunca antes na história do Brasil tínhamos colocado mais de 500 mil mulheres
em todo o Brasil, em 360 cidades, que foram as ruas para dizer “Ele
não”, “Fascismo não”, de maneira que eu acho que o balanço não é de uma
derrota política, nós sofremos uma derrota eleitoral, mas saímos desse
processo aglutinados, com capacidade e força organizada para resistir
com a pretensa ofensiva fascista.
Apesar dos bravateios de Bolsonaro, sabemos que no campo institucionais, há limitações. Ele já disse que tem a intenção de tipificar o MST e o MTST como organizações terroristas. Enxerga a possibilidade real e institucional que isso realmente aconteça?
Eu acho que o governo Bolsonaro vai se assemelhar, se fizermos um
paralelo, com que foi o governo Pinochet no Chile. Não pela forma que
chegou, mas pela sua natureza fascista. É um governo que vai usar todo o
tempo a repressão, as ameaças, o amedrontamento. Vai liberar as forças
reacionárias que estão presentes na sociedade. Por outro lado, ele vai
tentar dar liberdade total ao capital em um programa neoliberal. Porém,
essa fórmula é inviável, não dá coesão social e não resolve os problemas
fundamentais da população.
O Brasil vive uma grave crise econômica
que é a raiz de todo esse processo, desde 2012 o país não cresce.
Portanto, ao não crescer, ao não produzir novas riquezas, os problemas
sociais, econômicos e ambientais só vão aumentando.
Ele com seu programa ultraliberal, de apenas defender os interesses
do capital, pode até ajudar os bancos, fazer com os bancos continuem
tendo lucro, pode ajudar as empresas transnacionais para que tomem de
assalto o resto do que nós temos aqui, porém, ao não resolver os
problemas concretos da população de emprego, de renda, de direitos trabalhistas, de previdência, de terra, de moradia, isso vai aumentando as contradições.
Isso irá gerar um caos social que permitirá aos movimentos populares retomar a ofensiva, as mobilizações
de massa. E, no fundo, além do que está na Constituição, coisa que ele
não vai respeitar muito, o que vai nos proteger, não é corrermos para
debaixo da tenda. O que vai nos proteger é a capacidade de aglutinar o
povo, seguir fazendo lutas de massas na defesa dos direitos, na melhoria
das condições de vida e essas mobilizações populares é que serão a
proteção aos militantes, aos dirigentes. Não nos assustemos. As
contradições que eles vão enfrentar serão muito maiores do que as
possibilidades deles reprimirem impunemente.
Há uma outra luta, que tem relação com as eleições, que desde que começou a campanha eleitoral ficou em segundo plano: a prisão ilegal e injusta do ex-presidente Lula. Qual é a perspectiva dos movimentos populares pra essa outra frente de batalha?
Como todos nós acompanhamos ao longo desse período, o presidente Lula foi sequestrado pelo capital por meio de um Poder Judiciário
completamente servil a esses interesses. Ele foi preso ilegalmente. Há
muitos outros, não só políticos como cidadãos, que estão respondendo em
liberdade, até que se cumpra a Constituição, que só permite a prisão
depois que o processo passa por todas as instâncias.
No caso do Lula, ainda falta ser julgado no STJ e depois no STF.
Depois não deixaram ele concorrer quando o registro da candidatura foi
feito. Outros 1400 candidatos concorreram na mesmas condições do Lula
mas a ele foi proibido, e finalmente, o proibiram de falar, quando
qualquer bandido de quinta categoria pode dar entrevista na Globo.
Ficou famoso aquele caso do ex-goleiro do Flamengo que todo dia estava
na Globo só para dar audiência. E ao Lula foi proibido se comunicar com o
povo. Na verdade, eles sabiam que o Lula é a principal liderança
popular que aglutinaria amplas forças do povo brasileiro, que levaria
pro debate a discussão de projeto. É evidente que parte dos eleitores do
Lula, que acreditam no Lula, são trabalhadores enganados por uma
campanha de mentiras, que acabaram votando no Bolsonaro.
Para a esquerda e movimentos populares, temos um desafio enorme daqui pra frente de organizar comitês populares
em todo Brasil, organizar um verdadeiro movimento de massas, e
organizar uma verdadeira campanha internacional por sua libertação e
pela designação do Prêmio Nobel da Paz no ano que vem, como é a campanha
encabeçada pelo [vencedor do] Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel.
Vamos ter uma tarefa enorme de organizar esses comitês e transformar a
luta pela campanha com uma bandeira popular. Evidentemente haverá
outros desafios que nós, da esquerda e movimentos populares teremos que
nos debruçar no próximo período para nos aglutinarmos como vem sendo já
sugerido que temos que transformar a Frente Brasil Popular, a Frente Povo Sem Medo, quem sabe nos juntarmos todos, em uma Frente Popular pela Democracia e Antifascista.
Poderia ser um instrumento mais amplo ainda do que a própria Frente
Brasil Popular. Temos muita luta pela frente. A luta de classes é assim.
É muito parecida com um jogo de futebol em um longo campeonato. Tem
domingo que se perde uma partida, tem outro em que se ganha. Mas o
fundamental é ir acumulando força e organizando nosso povo. É isso que
muda correlação de forças.
Como a esquerda sai dessa batalha? Os partidos, movimentos, o próprio Fernando Haddad?
Eu me envolvi pessoalmente, o nosso movimento e a Frente Brasil
Popular, e se notou claramente, nas últimas duas semanas, um novo
alento, uma nova interpretação para o que está acontecendo no Brasil.
Muita gente se mobilizou independente de partidos e movimentos, ou seja,
há energias na sociedade e conseguiremos resistir ao fascismo.
Agora, não podemos cair no reducionismo da vida partidária e ficar
nas especulações do que acontecerá com fulano ou beltrano. As pessoas
pouco importam nesse processo. A luta de classes, é de classes, e
portanto, é a dinâmica da luta de classes que altera a correlação de
forças, que vai resolver os problemas do povo. No meio dessas lutas de
classe, vão surgindo novos líderes e novas referências. Não podemos nos
apegar a essas leituras.
“O Haddad já se cacifa para 2022”, “O Ciro se cacifa”. O Ciro Gomes
saiu muito bem no primeiro turno, com moral, e depois jogou essa moral
na lata do lixo ao se abster da disputa política do segundo turno. A
vida útil do Ciro durou três semanas. É assim a lógica da luta de
classes.
Acho que a esquerda e os movimentos populares que tem causas bem
específicas, de mulheres, moradia, terra e movimento sindical, temos que
nos debruçar com serenidade, fazer as avaliações críticas e
autocríticas e retomar a nossa agenda história da classe trabalhadora,
para enfrentar os desafios da vida e da história.
Ficou claro durante essa campanha: nós temos que retomar o trabalho
de base, que até o Mano Brown puxou a orelha e ele estava correto. Se
nós tivéssemos tido a paciência de, ao longo desses seis meses, ter ido
de casa em casa, nos bairros da periferia, onde vive o povo pobre,
acredito que teríamos outro resultado eleitoral. O povo entende, mas
ninguém vai lá falar com ele.
Temos que ter claro que o que altera a correlação de forças, não é
discurso, não é mensagem no Whatsapp. O que altera a correlação de
forças e resolve os problemas concretos da população é se nós
organizarmos a classe trabalhadora e a população para fazer lutas de
massa e resolver seus problemas.
Se falta trabalho, temos que fazer a luta contra o desemprego.
Se o gás está muito alto, temos que fazer a luta para abaixar o preço
do gás. Isso exige luta de massa. Da mesma forma, a esquerda abandonou a
formação política. As pessoas foram iludidas pelas mentiras da campanha
do Bolsonaro no Whatsapp, por que? Porque não tem discernimento
político para saber o que é mentira e o que fazia parte do jogo. Isso só
se resolve com formação política e ideológica, quando a pessoa tem
discernimento, conhecimento, para ela julgar por si mesmo e não esperar
orientação de ninguém.
Assim como temos que potencializar ainda mais esse belo trabalho que
vocês fazem no Brasil de Fato, com rádio, jornal, tabloide, internet,
que é potencializar nossos meios de comunicação populares. De fato a
televisou parou de pesar na formação de opinião das pessoas. Então,
temos que construir os nossos meios de comunicação. Agora é o tempo
ideal.
Finalmente, temos que fazer um novo debate no país, sobre um novo
projeto soberano para uma sociedade igualitária e justa. Como essa
campanha foi baseada na mentira e na luta contra mentira, nós não
discutimos programa, não discutimos um projeto estrutural pro país.
Agora temos que recuperar esse debate e nos próximos meses e anos,
reconstruir uma unidade popular entorno de um projeto. Um programa de
soluções para o povo, porque do outro lado, do governo, não virá.
Por Brasil de Fato
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