domingo, 30 de agosto de 2020

Operação de repatriação de brasileiros em Wuhan completa seis meses

Dia 23 de janeiro de 2020: a cidade de Wuhan, na China, entra em lockdown. Uma quarentena severa foi imposta menos de um mês depois do primeiro caso confirmado de coronavírus no mundo. Percebendo a gravidade da situação, 34 brasileiros e alguns familiares estrangeiros solicitaram ajuda ao Brasil para deixar o local que, na época, era o epicentro da doença no mundo.
Vitor Campos foi um deles. No último ano do seu mestrado na China, o professor foi surpreendido com a cidade se fechando do dia para a noite. “Ônibus, táxi, metrô, tudo foi proibido, inclusive carros particulares”, disse. “Eu tive um bom apoio porque estava vivendo na universidade, com três refeições por dia e junto dos meus colegas, mas foi algo bem inesperado”.

Campos diz que recebeu a notícia da repatriação com tranquilidade e que sua família ficou muito aliviada de saber que poderia reencontrá-lo. Porém, apesar do anúncio, algumas coisas tiveram que ser deixadas para trás.

“Como muitas pessoas tinham que ser repatriadas, todos nós acabamos deixando itens pessoais na China por conta da bagagem que não poderia lotar o avião”, conta. “Ainda não tenho a intenção de voltar para lá, mas preciso pegar minhas coisas e meu diploma do mestrado”.

Enquanto os repatriados faziam as malas em Wuhan, aqui no Brasil, a médica e infectologista do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), Ho Yeh Li, recebia a notícia de que iria acompanhar a missão de perto; no mesmo avião e cumprindo a mesma quarentena depois de retornar da China.

“Apesar de eu falar mandarim, foi a primeira vez que coloquei os pés em solo chinês”, relembra a médica. “Me surpreendi com a qualidade da missão, nunca havia trabalhado com militares, mas a estrutura de proteção dentro do avião e toda a estratégia da operação foram impecáveis”.

O único desconforto, segundo Ho Yeh Li, foi o traje que todos os passageiros e tripulantes tiveram que usar dentro do avião: um macacão rígido e quente, que não se adaptava ao corpo. “Eu fiquei sobrando na roupa enquanto meu amigo se espremeu a viagem inteira. Foram 40 horas de desconforto necessário para proteger todo mundo na aeronave”, falou.

A Operação Regresso foi resultado de uma força-tarefa envolvendo o Ministério da Defesa, por meio da Força Aérea Brasileira, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores e com o Ministério da Saúde. Duas aeronaves decolaram da Base Aérea de Brasília, em 5 de fevereiro, às 12h20, com destino a Wuhan. Foram feitas quatro paradas para abastecimento nas cidades de Fortaleza, Las Palmas, nas Ilhas Canárias, Varsóvia, na Polônia e Urumqi, na China. Assim que os 34 brasileiros embarcaram nas aeronaves, ambas seguiram para a Base Militar de Anápolis, no estado de Goiás.

Quarentena

No dia 9 de fevereiro, os repatriados chegaram à base aérea e cumpriram ali um período de 14 dias em quarentena. Até então, o Brasil não tinha nenhum caso de Covid-19 confirmado.

Para receber os repatriados, foram necessárias adaptações no hotel de trânsito da Força Aérea Brasileira. Segundo o coronel Gustavo Pestana Garcez, comandante da Base Aérea de Anápolis, o objetivo foi realizar mudanças na infraestrutura para acolher melhor os repatriados.

“Tivemos poucos dias para nos preparar, mas conseguimos seguir todos os protocolos da Anvisa como uso de máscara e de álcool em gel. Também conseguimos deixar o ambiente mais confortável para todos; nomeamos os quartos e camas de cada um, incluindo os berços das crianças”, diz.

O isolamento, como muitos brasileiros descobriram depois, pode ser desafiador. Pensando nisso, os responsáveis pela rotina dos repatriados buscaram alternativas para enfrentar o período, desde atividades ao ar livre até bandas de música.

“A gente brinca que só faltou piscina”, diz a médica Li. “Tínhamos cinco refeições por dia, uma área aberta para corrermos, além de apresentações ao vivo de música e sessões de cinema”.

Para Vitor, o ambiente da Base Aérea de Anápolis deixou o grupo muito à vontade em meio a uma situação difícil de possível contágio por um vírus desconhecido. “Algumas pessoas estavam ansiosas e tristes com a situação toda, mas ninguém teve um baque psicológico sério, justamente pelo grande acolhimento que nos foi proporcionado”, diz.

Segundo o coronel Pestana, a missão deixa um legado para o país, já que foi o primeiro contato do Brasil com a rotina de cuidados que se tornaria regra em todas as regiões.

“A Força Aérea Brasileira teve muito orgulho em participar da missão, desde o transporte dos repatriados até a instalação deles na Base Militar. Todos saíram satisfeitos e deu tudo certo”, declarou.

Em conversa com os repatriados, Ho Yeh Li os questionou se estavam arrependidos de terem voltado ao Brasil, e eles responderam que não. “Estavam aliviados de reverem seus familiares e entes queridos com saúde”, diz a médica. “O que fica de questionamento dessa missão é: Será que aprendemos algo?”

A infectologista diz que, infelizmente, outras doenças se espalharão e que os brasileiros precisam incorporar o uso de máscaras e álcool em gel em suas rotinas.

“Precisamos aplicar tudo que aprendemos nestes últimos meses para que, na próxima grande pandemia, não tenhamos que começar tudo do zero de novo”, diz.

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