segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Prefeito do RN, um dos únicos do PSOL, vira alvo de processo de impeachment

Político, que diz ter sido vítima de preconceito na campanha por ser gay, afirma que é perseguido por ter cortado benefícios

Joelmir Tavares
FOLHA DE SÃO PAULO
 
A primeira metade do mandato do professor Oton Mário, 43, como prefeito de Jaçanã (a 150 km de Natal) teve festa pela derrocada de líderes políticos locais, bate-boca com vereadores e rompimento com a vice —após uma intriga no WhatsApp, ele trancou a sala que ela usava.
A próxima metade dependerá de como essas peças vão se organizar depois do resultado do processo de cassação que a Câmara abriu em julho contra o prefeito, um dos dois eleitos pelo PSOL no país em 2016.
O outro vitorioso da legenda foi em Janduís, também um município potiguar.
Gay e colega de partido do presidenciável Guilherme Boulos, Oton venceu com 49% dos votos após uma campanha barata, na qual o baixo orçamento rendeu a ele o apelido de “Liso”. Andou tanto pedindo voto que perdeu 7 kg.
“Nem o partido acreditava na gente. Achava que era um louco que queria se aventurar”, diz ele ao receber a Folha em seu gabinete numa manhã de quinta-feira, dias atrás.
O prefeito não é psolista fervoroso —nem tem certeza se fará campanha para Boulos. Foi parar na sigla por se identificar com algumas bandeiras, como o apoio à causa LGBT.
“Sou muito cobrado para ser mais militante, mas não foi por causa do partido que venci. Digo [às lideranças]: ‘Vocês estão na capital. As lutas, contextos e demandas são distintas. Aqui no chão, onde as coisas acontecem, é diferente’.”
Oton Mário de Araújo Costa, prefeito de Jaçanã (RN). Filiado ao PSOL, ele é alvo de um processo de impeachment após contrariar interesses de vereadores. Ele veste uma camisa branca de mangas curtas e está em frente a uma parede onde está pintado um cenário nordestino.
Oton Mário de Araújo Costa, prefeito de Jaçanã (RN). Filiado ao PSOL, ele é alvo de um processo de impeachment após contrariar interesses de vereadores – Canindé Soares/ Folhapress
Na campanha, enquanto a única ajuda vinda do PSOL eram “uns santinhos”, enfrentava ataques, muitos à boca miúda, por ser homossexual.
“Usaram isso para me denegrir. ‘Ah, quem vai ser a primeira-dama?’ É porque não tinham nada contra minha índole.” Segundo ele, que diz estar solteiro, o preconceito só deu as caras durante a disputa. Hoje em dia, é respeitado.

Fala que, na rotina da prefeitura, estão presentes bandeiras do PSOL como “honestidade, não se corromper, não trabalhar com propinas”. Oton circula nas ruas entre acenos e sorrisos e diz que uma pesquisa lhe dá 80% de aprovação.
Então por que a Câmara Municipal abriu um processo de impeachment contra ele?
O prefeito afirma ser vítima de perseguição por ter cortado regalias de vereadores e cruzado o caminho da classe política jaçanaense. “Não aceitam terem perdido para alguém sem tradição”, diz.
No balcão de sua farmácia, em frente à Câmara, o ex-vereador Gilberto Silva, 62 (que já foi do PFL e do PSB), resume: “Toda vida teve toma lá, dá cá. O vício da política é triste. Os vereadores se doeram porque perderam a participação no governo. Foi isso”.
Silva é espectador privilegiado dos protestos às terças, dia de sessão do Legislativo, desde que a cassação entrou na pauta. Vídeos mostram a multidão gritando “não vai ter golpe” e “fora, golpistas”.“A maioria das pessoas está a favor do prefeito”, diz o comerciante. “Quando assumiu, ele foi muito macho em falar: ‘Não preciso de vereador para trabalhar e para cumprir minhas promessas’”, relembra.
Oton afirma que não foi bem isso. Que não menosprezou o Legislativo (como o gesto foi entendido), só falou que são dois poderes independentes e que a relação iria mudar.
O presidente da Câmara, José Gelzo (MDB), nega a troca de favores. “É uma suposição que ele faz. Colegas querem entrar na Justiça para ele provar que acontecia isso, esses agrados.”
Oton diz que suspendeu privilégios como o direito de cada vereador de nomear três servidores no município. “Eles tinham auxílio-medicamento, acesso livre ao posto de gasolina. Abasteciam e a conta vinha para cá, sendo que a Câmara tem recursos”, relata.
Dos nove vereadores, seis votaram a favor de abrir o processo de cassação. A decisão final deve ser em setembro.
A denúncia lista uma série de problemas de ordem administrativa, como irregularidades em licitações e em compras da prefeitura. Oton contestou as acusações no microfone da Câmara e por escrito.
“Sei que eu não fiz nada errado”, diz. “Se tem algum erro, foi feito por pessoas ligadas a mim e por ingenuidade. Não foi para desviar recursos, para enriquecimento ilícito.” Ele sustenta que os fatos poderiam ser investigados em uma CPI, sem apelar direto à cassação, que “é coisa muito séria”.
Oton chegou ao cargo botando gente jovem em cargos de chefia (os secretários, muitos seus ex-alunos, têm em torno de 30 anos) e tentando ouvir os 8.000 habitantes mais do que outros prefeitos.
Entre os feitos cita contratação de médicos, climatização de salas de aula, operação tapa-buraco, revitalização de praças e reforma de calçamentos e do mercado público.
Logo que foi empossado, Oton fez uma varredura em busca de funcionários fantasmas. “Tinha mais de 30 apadrinhados. Até gente que mora em São Paulo e recebia salário”, diz ele. “Passavam de uma gestão para outra.”
A prefeitura está nas mãos dos mesmos grupos há 50 anos. Na parede, a galeria de fotos dos ex-prefeitos repete sobrenomes como Farias e Silva.
O professor derrotou nas urnas um ex-prefeito com dois mandatos no currículo e um ex-presidente da Câmara Municipal —com as candidaturas barradas pela Justiça perto do dia da votação, ambos colocaram as respectivas esposas no lugar.
Oton acusa a vice, Josiane Silva (PV), de tramar o impeachment em parceria com poderosos locais. O estopim da briga, relata, foi a descoberta de que ela vazava conversas do grupo de WhatsApp da prefeitura para um opositor.
Ele diz também que o autor da denúncia, um morador que “mal sabe assinar o nome”, foi usado como laranja. A reportagem procurou Francisco Genilson da Silva por telefone e na casa dele, mas não o achou. Parentes dizem que ele está trabalhando como pedreiro em uma cidade vizinha.
Josiane não vai à prefeitura desde abril, quando a fechadura de sua sala foi trocada. Ela falou à Folha no portão de casa, se defendeu das acusações e disse ser ameaçada pelo prefeito e seus apoiadores.
A vice nega ter intenção de prejudicá-lo para assumir o cargo. Fala que virou alvo por ter feito “um trabalho social como nunca um vice fez” na cidade. “O que faltou nele [Oton] foi humildade. Ele é um ser humano desumano.”
“Eu não posso sair de casa, me xingam em rede social”, afirma, chorando. “Oton abandonou o grupo que colocou ele lá, falou mal de vereador. Aí joga a conta em mim?”

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