A
exatos 30 dias da abertura da Copa de 2018 – e no dia em que a Seleção
Brasileira será convocada para o maior evento esportivo do planeta –
poucos efeitos têm sido notados na economia por conta do Mundial, a ser
realizado a partir de 14 de junho, na Rússia.
Nem mesmo o setor de eletroeletrônicos, que
historicamente é o mais beneficiado no período, tem demonstrado otimismo
com as vendas. Especialistas entrevistados pela Agência Brasil apontam que, em função da crise, há indicações de que o setor informal venha a ser o mais beneficiado pela Copa deste ano.
De acordo com a Associação Nacional de Fabricantes de
Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), a expectativa é que a Copa
resulte na venda de 12,5 milhões de aparelhos de tv em 2018. Apesar de o
volume ser 10% superior ao de 2017, a tendência é de que, no primeiro
semestre de 2018, ele fique abaixo do anotado no mesmo período em 2014,
quando da última Copa, realizada no Brasil, e vencida pela Alemanha.
“Na comparação com o primeiro semestre de 2014,
quando foram vendidas 7,935 milhões de TVs, o volume estimado para 2018 é
14% menor”, disse o presidente da Eletros, Lourival Kiçula, ao afirmar
que a indústria se preparou “com bastante antecedência” para esta Copa,
no sentido de suprir as demandas vindas dos varejistas e de garantir a
reposição de estoques.
Segundo ele, a Copa do Mundo representa uma “inversão
de sazonalidade”, uma vez que traz, para o primeiro semestre do ano, as
vendas de aparelhos eletrônicos que normalmente ocorrem com maior
intensidade no segundo semestre.
“O mercado de televisores muda de patamar a cada
quatro anos. Os televisores ganham mais evidência, uma vez que todos os
brasileiros, apaixonados por futebol, querem acompanhar os lances de
perto com a máxima qualidade de imagem”, disse.
A venda de televisores pode acarretar em um efeito
dominó positivo para outros setores. É o caso da TV por assinatura. “A
exemplo das Olimpíadas, a Copa ajuda a aumentar a demanda no nosso
setor. As pessoas se preparam para a Copa. Elas trocam de televisor, e
isso também é algo que as motiva a adquirir canais por assinatura. Uma
coisa puxa a outra”, disse o diretor de Produtos de TV por Assinatura da
NET, Alessandro Maluf.
Citando levantamentos feitos pela Agência Nacional de
Telecomunicações, a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura
(ABTA) diz que o setor como um todo registra queda de assinaturas há
dois anos, mas que a tendência é de estagnação, já que entre março e
abril a redução do número de assinaturas ficou menor, em apenas 900
assinaturas.
“Nosso setor sofre fortemente os impactos da
economia, e sentimos uma certa retração no mercado ao longo dos últimos
anos. A Copa, no entanto, representa um estímulo para a TV por
assinatura. Temos identificado um aumento de demanda e de pessoas
interessadas nos canais esportivos”, disse o diretor da NET.
“Em geral nosso carro-chefe são os canais de filmes,
os infantis, seguidos dos canais de esportes e de séries. No entanto, em
ano de Copa, isso muda, e o carro-chefe fica com os canais de
esportes”, afirmou.
Com base na apuração feita com suas associadas, a
Associação Brasileira de Agências de Viagens (ABAV) indica que até o
momento as vendas estão dentro da normalidade para o período, e que, em
geral, elas se intensificam a partir deste mês. Os destinos nacionais
despontam com 65% da procura, ante 35% do internacional.
A realização da Copa do Mundo no período é apontada
como possível fator a pesar na menor procura por viagens mais distantes
ou de longa duração em julho. Entre os destinos nacionais, os mais
procurados para julho têm sido Maceió (AL) e Porto de Galinhas (PE).
O aumento do dólar nas últimas semanas também têm
resultado na queda da procura por destinos internacionais. Neste caso,
os destinos mais procurados são Santiago, no Chile, e Cancún, no México.
Informalidade poderá ter benefícios
Segundo o professor da Faculdade de Economia da
Universidade de Brasília (UnB) Marilson Dantas, a crise econômica
prejudicará ainda mais “o efeito mínimo” que a Copa terá para a economia
do país. Segundo ele, a tendência será a de favorecer o consumo de
produtos mais baratos, oriundos da economia informal.
“O efeito da Copa para o Brasil será mínimo.
Incentivará o consumo de alguns produtos específicos e de forma pontual.
É o caso, principalmente, dos televisores. Mas em termos gerais o
efeito é mínimo, ainda mais em um período de crise como o atual, que
naturalmente já levaria as pessoas a consumirem produtos mais baratos
como os ofertados pelo comércio informal”, disse.
O comércio informal, acrescenta, não deixa de ser
relevante e positivo do ponto de vista econômico, até por ter, em sua
cadeia, diversas etapas de formalidade econômica.
“Toda oportunidade de consumo gera riqueza. A
economia é única, independentemente de ser ou não formal e ligada a uma
pessoa jurídica. A economia informal está dentro da economia. Apenas não
é alcançada pela área tributária. Ela apresentará resultados, ainda que
não preponderantes para o processo de desemprego”, opinou o professor
da UnB.
Segundo ele, o consumo relacionado à temática da Copa
em grande parte será direcionado a pequenas empresas ou empresas
informais que não pagam royalties para a Fifa (Federação Internacional de Futebol). Elas são as mais beneficiadas por conta do Mundial da Rússia.
“É lá [na economia informal] que estará a maior parte
do volume a ser comercializado: bandeiras, camisas não oficiais e,
principalmente, apetrechos de pequeno valor”, disse ele.
Vendas no varejo ainda não decolaram
Ciente dessa tendência, o comerciante Elho Carmo de
Souza já disponibilizou algumas camisas “não oficiais” e bandeiras para
capôs de carros logo à frente de sua loja, em uma das entradas da Feira
dos Importados, em Brasília. As vendas não vão bem.
Apenas uma camisa de R$ 30 foi vendida desde que ele
montou um varal com seus produtos. “Por enquanto, minha proposta é
apenas garantir esse ponto de venda. Eu sei que as vendas só vão começar
mesmo a partir de junho, quando começa a Copa”, disse o comerciante
que, a cerca de 30 metros da própria loja, é também camelô.
Vendedora em uma loja de roupa esportiva, Lorena
Saram diz que as vendas estão bastante travadas. “Notamos uma
preferência das pessoas pelas camisas temáticas dos títulos já
conquistados pela Seleção Brasileira. Mesmo assim, temos vendido pouco.
Em média, apenas uma camisa por dia”, disse.
Ela acredita que a situação irá melhorar um pouco a
partir dos próximos dias. “O brasileiro gosta de fazer tudo em cima da
hora. Acho que não será diferente em se tratando da Copa do Mundo.”
Efeito para os países que sediam o Mundial
Na Copa de 2014, sediada no Brasil, o peso do evento
na economia foi bem maior. “Para os países que sediam a Copa, o efeito é
muito maior e envolve todo um processo de investimento pesado, que
antecipa demandas de infraestrutura pública, visando os chamados
legados. Nesse caso, o setor mais beneficiado é o dos transportes, que
têm relação direta com jogos e com os estádios”, explica o professor
Dantas, da UnB.
No caso do Brasil, os investimentos foram
essencialmente públicos, o que, segundo o professor, acabou por
prejudicar as contas públicas.
“Infelizmente não tivemos competência efetiva para
atingir todas as metas relacionadas ao legado, já que parte das obras
não foi concluída. Dívidas foram contraídas, mas resultados não foram
consolidados. Isso costuma acontecer com a grande maioria dos países que
sedia a Copa. Não é uma exclusividade do Brasil”, afirmou.
“O esforço foi muito grande e o resultado muito
pequeno e envolto a suspeitas de desvios que resultaram em
investigações. Veja o caso de Brasília onde foi construído um estádio de
quase R$ 2 bilhões. Criamos uma dívida pesada que não faz sentido.
Gastou-se para gastar mais, porque, além do pagamento da dívida,
pagam-se juros e, agora, gasta-se ainda mais por conta da necessidade de
manutenção do estádio”, finalizou.
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