sábado, 2 de fevereiro de 2019

Reforma agrária está estagnada no RN

Em 2019, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra completa 35 anos de existência - 30 deles no Rio Grande do Norte - em meio a uma estagnação da reforma agrária no Estado e incertezas em meio ao cenário político nacional. Após o 'boom' da criação de novos assentamentos na década de 1990, o número de terras declaradas como de interesse social para fins da reforma agrária reduziu-se drasticamente no último período, com um total de dois assentamentos criados ao longo dos últimos cinco anos. “O corte nos recursos vem dificultando cada vez mais a criação de novos assentamentos”, afirma o superintendente do Incra no RN, José Leonardo Guedes.
Maria Cícera está num acampamento há 2 meses. “Me explicaram que eu poderia vir fazer minha casa. Não tinha ideia do que era”

Atualmente, são 19.814 famílias assentadas no RN, de acordo com o Incra. Elas estão distribuídas em 295 assentamentos, grande parte deles com presença do MST. “O MST começou aqui pelo assentamento Marajós, em João Câmara. Hoje, lá vivem cerca de 50 famílias. Quando começou, eram cerca de 150. Juntou muita gente, em parte pela novidade, em parte pela incerteza e pelo medo do que poderia acontecer”, conta Hildebrando Silva.

Aos 32 anos, Hildebrando é um dos porta-vozes do Movimento no Estado. Sua história, conta, é indissociável da história do MST: sua família foi uma das primeiras a se unir ao Movimento no Estado, pela ligação próxima ao movimento sindical, no município de Bento Fernandes. “Toda minha formação, política e universitária, se deu através do MST”, relata.
Hoje, formado em comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é um dos dirigentes do movimento, que inicia 2019 com novas preocupações: após 12 anos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT), que mantiveram abertas as linhas de diálogo, o presidente Jair Bolsonaro já afirmou que não pretende dialogar com o movimento, que classifica como “terrorista”.
“Quem acredita que somos terroristas não nos conhece”, afirma Hildebrando. Na sala principal do Centro de Ensino e Formação Patativa do Assaré, em Ceará-Mirim, onde ele concedeu entrevista à TRIBUNA DO NORTE, é possível ver duas placas de formatura em uma parede. A primeira, da turma Chico Mendes, de Controle Ambiental, datada do ano de 2008.
A segunda, de 2007, traz a 1ª Turma de Magistério da Terra Paulo Freire. Os nomes apenas reforçam o abismo que separa o MST do atual governo: Paulo Freire é alvo de críticas constantes do presidente Jair Bolsonaro, que já afirmou que pretende abolir os ensinamentos do pedagogo e filósofo brasileiro das escolas. A posição do presidente em relação ao Movimento, de acordo com Hildebrando, é preocupante, mas não indica que o MST vai reduzir suas atividades nos próximos anos.

“Achamos que o MST ia acabar em 1996, depois de Eldorado. Não acabou. Ele vai continuar resistindo enquanto a concentração de terras no Brasil permanecer como está: desigual, tirando os pobres do campo e empurrando para a cidade, fazendo o agronegócio passar por cima da agricultura familiar”, afirma. Eldorado dos Carajás, ao qual Hildebrando faz referência, foi o local no qual, em 17 de abril de 1996, 19 pessoas pertencentes ao Movimento foram assassinadas em decorrência de uma ação policial no estado do Pará.

As placas dividem a parede com outros banners, em homenagem a membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que foram assassinados em anos anteriores. O caso foi emblemático e ficou conhecido como o "Massacre de Eldorado do Carajás". Uma semana depois do acontecimento, o Governo Federal anunciou a criação do Ministério da Reforma Agrária.
Na terceira década de sua existência, Hildebrando afirma que os principais desafios e objetivos do MST serão retomar a pressão sob o Governo Federal – que ele avalia ter sido reduzida especialmente durante o Governo Lula - e reforçar as parcerias do Movimento com instituições de ensino. “Queremos garantir o acesso à educação para os assentados”, afirma, e melhorar o sistema de escoamento da produção que é feita nos assentamentos.

“Todos os nossos assentamentos produzem. Nem todos, no entanto, conseguem comercializar os produtos. O principal obstáculo é o transporte, porque faltam carros para transportar a mercadoria, e acabamos dependendo de atravessadores, o que encarece muito o produto”, afirma. Graças a uma parceria com o Instituto Federal, o MST passou a ser responsável por fornecer 30% dos alimentos que compõe a merenda escolar.

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