Na tarde desta quarta-feira (6), logo depois da
sentença da juíza federal Gabriela Hardt, que condenou o ex-presidente
Lula (PT) a mais 12 anos e 11 meses de prisão no caso do "Sítio de
Atibaia", a hashtag #LulaLivre2043 chegou ao primeiro lugar nos assuntos
mais comentados no Twitter no Brasil. Os internautas parecem ter
simplesmente somado as duas condenações de Lula até agora. Mas como é o
cálculo da pena quando alguém já preso é condenado novamente?
No caso do sítio de Atibaia, o petista é
acusado de receber propinas das construtoras OAS e Odebrecht por meio de
reformas, em 2010, num sítio no município do interior paulista. O
imóvel pertence formalmente ao empresário Fernando Bittar, mas o MPF
alega que Lula é o verdadeiro dono do sítio e era o principal usuário do
local.
Além de Lula, outras dez pessoas foram
condenadas na sentença proferida pela juíza Hardt, entre elas os
ex-presidentes da OAS, Léo Pinheiro, e da Odebrecht, Marcelo Odebrecht. O
ex-presidente Lula nega irregularidades, enquanto os dois empresários
são hoje colaboradores da Lava Jato, e confessaram os crimes.
A
Justiça também determinou o confisco do sítio, que será levado a
leilão. Além disso, Lula foi condenado a pagar multa de R$ 423 mil - e
foi proibido de exercer cargos públicos pelos próximos 24 anos e dois
meses.
Esta
é a segunda vez que Lula é condenado na Lava Jato. Em janeiro passado, o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou a condenação
de Lula no caso conhecido como "Tríplex do Guarujá": o petista é acusado
de receber propina da empreiteira OAS na forma da reserva e reforma de
um apartamento de três andares no balneário paulista. Na ocasião, os
desembargadores do TRF-4 fixaram a pena em 12 anos e 1 mês de prisão.
Mas
como é feito o cálculo das penas quando alguém é condenado mais de uma
vez? E quais são as chances do petista conseguir o regime semiaberto?
Como é o cálculo do tempo de prisão?
Advogado
criminalista e professor do curso de Direito da FGV (Fundação Getúlio
Vargas) de São Paulo, Celso Vilardi explica que o cálculo das penas é um
pouco mais complexo que a simples soma das penas.
"Não
é a soma simples, até porque no Brasil existe a chamada progressão de
regime (para o regime semiaberto). É errado dizer que ele vai ficar
preso por 12 anos mais doze da nova condenação", diz.
No
caso do "Sítio de Atibaia", diz Vilardi, é preciso aguardar uma decisão
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) - o tribunal pode
confirmar ou rever a sentença de Hardt, mantendo ou alterando a pena.
"Só
então a execução penal vai unificar as penas, aí sim com um somatório. O
tempo total que o réu deve cumprir no regime fechado é de um sexto do
tempo total de pena", diz o advogado, que defendeu alguns réus na Lava
Jato.
O tempo que o ex-presidente permanecerá na
prisão pode ainda ser reduzido em relação à pena total por outras
remissões, como por exemplo a leitura de livros durante o cárcere e
também pela idade de Lula que impede que presos idosos passem mais de 20
anos encarcerados.
Suponha
que o TRF-4 mantenha exatamente a mesma pena decretada por Gabriela
Hardt: neste caso, a pena total de Lula chegaria a 25 anos ou 300 meses
(12 anos e 1 mês, mais 12 anos e 11 meses). Lula teria portanto um sexto
deste tempo para cumprir no regime fechado: 50 anos, ou 4 anos e dois
meses.
Este cálculo prossegue até o limite máximo de 30 anos - que é o período máximo que alguém pode passar preso no Brasil.
"O
tempo máximo que alguém pode ficar no regime fechado é 30 anos. Mas
isso não significa que o aumento de pena não tenha nenhum impacto para o
preso. Por exemplo: se alguém for condenado diversas vezes e as penas
somarem 60 anos de prisão, esta pessoa passará dez anos em regime
fechado. Quanto maior for a pena total, mais o réu levará para conseguir
a progressão de regime", diz João Paulo Martinelli, que é advogado
criminalista e professor do Instituto de Direito Público (IDP) de São
Paulo.
No caso de Lula, explica Martinelli, o
processo ficará suspenso até que o TRF-4 julgue os recursos apresentados
pela defesa do petista - em nota nesta quarta-feira (06), a defesa de
Lula informou que irá recorrer. O professor do IDP lembra ainda que o
período de prisão já cumprido por Lula será abatido na hora de calcular
quanto falta para a progressão de regime.
Supremo
Independentemente
da situação na 1ª Instância, há dois processos em andamento no Supremo
Tribunal Federal (STF) que podem alterar a situação do ex-presidente.
Ao
assumir o comando da corte, o atual presidente do STF, ministro Dias
Toffoli, marcou para o dia 10 de abril o julgamento de uma ação a
respeito do cumprimento de pena após a condenação na Segunda Instância.
Caso a maioria dos 11 ministros entenda que a pena só começa depois que
forem esgotadas todas as instâncias da Justiça, Lula voltaria para casa.
Em outro processo, a defesa do petista questiona
na 2ª Turma do STF uma parte da pena atribuída a ele no caso do Tríplex
do Guarujá. Se o pedido de Lula for atendido antes de uma nova
condenação do petista no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ele
pode conseguir a progressão de regime, e passar ao semiaberto.
Defesa de Lula nega acusações
Em
nota, o advogado responsável pela defesa de Lula, Cristiano Zanin
Martins, acusou a Justiça Federal de Curitiba de fazer "uso perverso das
leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política".
A
defesa destaca que o ex-presidente nunca foi o dono do sítio, e que a
decisão se baseia num suposto "caixa geral" de propinas das empreiteiras
porque não há, segundo a defesa, provas materiais de que o dinheiro
desviado de contratos da Petrobras foi usado nas reformas.
"A
decisão desconsiderou as provas de inocência apresentadas pela defesa
de Lula nas 1.643 páginas das alegações finais", diz um trecho da nota.
"Chega-se
ao ponto de a sentença rebater genericamente a argumentação da defesa
de Lula fazendo referência a 'depoimentos prestados por colaboradores e
co-réus Léo Pinheiro e José Adelmário (sic)'" - Léo Pinheiro é o apelido
de José Adelmário Pinheiro Filho.
Quais são os outros processos contra Lula?
Além
dos casos do Tríplex e do Sítio de Atibaia, Lula é réu em outras cinco
ações penais na Justiça Federal, além de recursos em tribunais
superiores.
1. O outro apartamento de Lula
Trata-se
de mais uma ação penal sob a responsabilidade da juíza Gabriela Hardt.
Neste caso, o MPF acusa Lula de receber propina da Odebrecht por meio da
compra de um terreno em São Paulo no valor de R$ 12 milhões, que seria
usado para a construção de uma nova sede para o Instituto Lula.
A
empreiteira também teria comprado o apartamento nº 121 do edifício Hill
House, em São Bernardo do Campo (SP), no mesmo andar e no mesmo prédio
onde Lula vivia antes de ser preso - o local serviria para abrigar a
equipe de seguranças do ex-presidente.
O processo
está concluído para sentença, com o MPF e a defesa das partes já tendo
apresentado suas alegações finais. Uma decisão pode sair a qualquer
instante.
2. Guiné Equatorial e o Instituto Lula
Neste
caso, o ex-presidente é acusado de receber propina de R$ 1 milhão -
paga por empresários brasileiros - em troca de intermediar negócios
destes empresários com o líder da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang.
O pagamento teria sido feito de forma dissimulada, por meio de uma doação ao Instituto Lula.
Esta
é uma das ações mais recentes contra o ex-presidente - a denúncia foi
aceita pela Justiça Federal em São Paulo em novembro passado.
O
ex-presidente nega irregularidades - ele admite ter recebido a doação,
mas nega ter feito qualquer favor em troca da mesma. Na época, sua
defesa disse que a acusação "pretendeu, de forma absurda e injurídica, a
transformação uma doação recebida de empresa privada pelo Instituto
Lula, devidamente contabilizada e declarada às autoridades, em tráfico
internacional de influência".
3. Caças Gripen NG
Este
processo corre na 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, por ser
parte das investigações da operação Zelotes - está atualmente na fase de
coleta dos depoimentos de testemunhas.
O MPF
apura se Lula e um de seus filhos, Luís Cláudio, cometeram os crimes de
tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O
ex-presidente é suspeito de ter conseguido benefícios para seu filho em
troca da aquisição de 36 jatos de caça do modelo Gripen NG, produzidos
pela fabricante sueca Saab. No mesmo caso, é investigada também a
suposta influência de Lula na edição de uma medida provisória em 2013,
que beneficiou a indústria automotiva. Em ambos os fatos Lula já não era
mais presidente. Ele nega irregularidades.
4. Medida provisória para favorecer a indústria automotiva
Mais
um processo na 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília. Assim como o
caso envolvendo os caças suecos, está na fase de oitiva de testemunhas.
A
acusação contra Lula é de corrupção passiva - ele teria recebido
vantagens indevidas para editar a medida provisória 471 de 2009, que
beneficiou com isenção de alguns impostos montadoras de veículos
instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Lula nega
as acusações.
5. Empréstimos do BNDES para Angola
Para
o MPF, Lula cometeu os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e
tráfico de influência ao, supostamente, pressionar o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para liberar empréstimos
que financiaram obras da Odebrecht em Angola. A ação de Lula teria se
dado entre os anos de 2008 e 2015 - o ex-presidente nega e diz que
jamais interferiu na concessão de qualquer benefício do BNDES.
O
caso está sob responsabilidade do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da
10ª Vara da Justiça Federal em Brasília - a mesma dos dois casos
anteriores.
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