Fonte: Estadão
Deputados de pelo menos 16 assembleias
legislativas são ou foram alvo de investigações sobre irregularidades cometidas
nos últimos 16 anos relacionadas a salários e gratificações de servidores dos
gabinetes.
O deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) Foto: Alex Silva/Estadão |
A maioria dos procedimentos, segundo levantamento feito pelo Estado,
corre sob sigilo e apura suspeitas ou denúncias de repasse de parte dos
salários ou benefícios a parlamentares e da contratação de “funcionários
fantasmas”.
Todos os Estados identificados
(ver mapa) têm ou tiveram investigações relacionadas a atos ilícitos realizados
nas últimas quatro legislaturas – são parlamentares que exerceram mandatos
desde 2003. Em São Paulo, pelo menos cinco deputados estaduais são alvo de
investigação por apropriação de salários.
Casos desse tipo ganharam
projeção após relatório do Conselho de Controle Atividades Financeiras (Coaf), revelado
pelo Estado, sobre movimentação financeira atípica de funcionários e ex-funcionários
da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), entre eles Fabrício
Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
No caso da Alerj, 22
procedimentos criminais foram abertos em 2018 para apurar suspeitas de
irregularidades nos gabinetes de 22 deputados. No caso de Queiroz, a
investigação foi instaurada após suspeita de lavagem de dinheiro ou “ocultação
de bens, direitos e valores” no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Nacionalmente, conforme as
investigações, não falta criatividade para implementar diferentes meios de
desvio – casos variam da contratação da empregada doméstica do deputado como “fantasma”
à solicitação de reembolso de despesas de viagens nunca realizadas.
Costuma ser recorrente o que se
convencionou a chamar de “rachid” – quando um servidor público divide parte do
vencimento com o chefe ou empregador. Dos 16 Estados, sete têm investigações
nesse sentido.
Quando parlamentares são
investigados por improbidade, a apuração se enquadra em ação civil pública.
Caso comprovada a irregularidade, pode resultar em ressarcimento do valor
desviado com multa, perda de direitos políticos e cassação do mandato. São
poucas as ocasiões nas quais a investigação é enviada para a esfera criminal,
que pode resultar em ação penal e prisão em caso de condenação.
Provas. A promotora Danielle
Thomé, do Ministério Público do Paraná, disse que há seis investigações abertas
contra deputados do Estado e que a prática é comum também no âmbito municipal.
A reportagem ouviu relato semelhante de outras promotorias, com citações de
casos envolvendo prefeitos e vereadores.
De acordo com Danielle, a
obtenção de provas para esse tipo de investigação é complexa. “Quem é mantido
no emprego não abre esse tipo de informação. Apenas quando é mandado embora, se
revolta e fala sobre isso. É complicado demonstrar”, afirmou a promotora.
Segundo ela, nem sempre o parlamentar aparece como receptor do dinheiro, que
pode ser interceptado por um chefe de gabinete, por exemplo. “É muito difícil
provar. Tem que pedir quebra de sigilo bancário. Às vezes, nem isso adianta.”
O promotor Silvio Marques, da
área de patrimônio público do Ministério Público paulista, tem avaliação
semelhante. “Muitas vezes não conseguimos traçar o caminho do dinheiro”.
Nos últimos anos, operações em vários
Estados foram deflagradas com expedição de mandados de prisão. É o caso das
Operações Canastra Real e Dama de Espadas, em 2015, no Rio Grande do Norte, e a
Operação Rescisória, de 2016, no Amapá.
No Rio Grande do Norte, investigações
encontraram casos de “servidores fantasmas” que desviaram R$ 2,5 milhões em
saques advindos de “cheques fantasmas”. O esquema envolveria até funcionários
de um banco.
Na Paraíba, o deputado estadual
Manoel Ludgério Pereira Neto (PSD) foi denunciado por peculato sob a acusação
de contratar a própria empregada doméstica – Elizete de Moura – para o seu
gabinete. O salário de Elizete chegou a R$ 44 mil no período entre 2003 e 2009.
A investigação criminal concluiu
que o salário era retido no gabinete do deputado. Elizete disse que foi
obrigada pelo deputado e sua mulher, a vereadora Ivonete Almeida de Andrade
Ludgério, a abrir uma conta para facilitar o pagamento de uma dívida que havia
contraído com os patrões. Segundo o Ministério Público, um assessor do deputado
também participou do esquema de desvio.
Nos autos do processo, Manoel
Ludgério e a mulher negaram irregularidades. Até a conclusão desta edição, os
citados não responderam ao Estado.
Também nas assembleias
legislativas, um procedimento comum é solicitar parte dos benefícios dos
servidores. A Operação Rescisória, no Amapá, investigou casos de servidores
exonerados que eram coagidos a transferir até 50% do valor das rescisões como
condição para continuar a recebê-las.
Na Assembleia Legislativa de
Roraima, servidores de seis gabinetes diferentes receberam verba de diárias de
viagens que nunca foram realizadas. Somente em um gabinete, foi solicitado R$
114 mil de reembolso, pago em 2017. Ao todo, nos seis gabinetes, R$ 289 mil
foram pagos em viagens fictícias entre 2016 e 2018.
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