terça-feira, 5 de setembro de 2017

Governo gasta R$ 466 milhões por ano para armazenar documentos de 13 ministérios

 
BRASÍLIA - Em meio a um ajuste fiscal que ameaça paralisar a máquina pública, o governo gasta milhões por ano só para armazenar documentos em papel. Um levantamento feito pelo Ministério do Planejamento com 13 ministérios mostra que o gasto para manter salas inteiras e até galpões alugados para armazenar papéis é de R$ 466 milhões anuais. A quantidade é tão grande que o edifício sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Brasília, por exemplo, teve que passar por uma reforma estrutural de R$ 3,5 milhões para aguentar o peso dos documentos.
O destaque é para o Ministério da Previdência, que tem um gasto estimado de R$ 242,9 milhões com a manutenção e armazenagem de documentos. O levantamento mostra que são mais de 1,3 milhão de metros lineares nesses 13 órgãos, que têm que ser adaptados com armários especiais e climatizadores para comportar esses volumes. Só em aluguéis de imóveis para esse fim, o Executivo dispende cerca de R$ 320 milhões todo ano.

Com a quantidade crescente de papéis, o Tribunal de Contas da União (TCU) já recomendou ao governo que construa galpões para o armazenamento, o que implicaria em um custo milionário. No Rio de Janeiro, por exemplo, o governo federal resiste a construir um galpão para guardar documentos de órgãos extintos, com previsão de custo de R$ 15 milhões.
O Judiciário já tem um programa de digitalização consolidado. No Executivo, no entanto, pela legislação atual, não é permitido eliminar documentos físicos, mesmo após digitalizá-los, segundo explicou ao GLOBO o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Esteves Colnago.
— Em um momento em que temos um teto de gastos para cumprir, você continuar alocando recursos para guardar papel soa fora do tempo, anacrônico — disse.
Projeto de lei na Câmara
As normas em vigor, segundo ele, estão desatualizadas e ainda trabalham com o processo de microfilmagem, captação de imagens por processo fotográfico. Augusto Akira Chiba, secretário de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, explica que o processo de armazenagem de microfilmagens é caro e foi criado em um tempo em que a digitalização ainda não era considerada completamente confiável:
— Antigamente, não havia muita segurança com a guarda digital. Hoje, a digitalização é confiável, além de ser mais fácil para os órgãos trabalharem os documentos, fazerem pesquisas, levantarem dados.
Um projeto de lei, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES) e que tem o apoio do Executivo, propõe que a norma atual seja modificada e permita o descarte após a digitalização. O processo deve respeitar requisitos técnicos e da arquivologia, segundo Colnago.
O projeto, no entanto, está parado na Câmara dos Deputados após um grupo de arquivistas e historiadores ter se posicionado de forma contrária ao texto. Na opinião da presidente da Associação dos Arquivistas de São Paulo, Ana Célia Navarro, parte do volume de papel que o governo guarda é resultado de má gestão. Segundo ela, os documentos são classificados atualmente segundo uma tabela de temporalidade. Alguns podem ser descartados imediatamente, outros têm um “tempo de guarda” que pode durar várias décadas. Ela estima que, em média, 10% do total têm de ser guardados permanentemente, entre eles escrituras de imóveis, contratos e documentação com valor histórico:
— Mas as instituições não fazem um processo de avaliação. Não fazem gestão correta da documentação e guardam mais documentos do que os que são necessários. Jogam num depósito, não fazem nenhum tratamento daquela informação e ocupam um espaço que não é necessário.
Ana Célia explica que o processo de gestão de documentação passa por uma comissão que tem de analisar cada documento e definir o que tem valor e quanto tempo aquilo precisa ser guardado. Para ela, o projeto ignora esse processo de gestão e faria uma digitalização irresponsável. A especialista destaca também que o próprio processo de digitalizar documentos guarda riscos, à medida que há possibilidade de vírus ou hackeamento e, ainda, de danos no momento da manipulação dos papéis.
Gestão no momento da digitalização
O diretor-geral substituto do Arquivo Nacional, Diego Barbosa, explica que, oficialmente, o órgão não é contrário à digitalização, mas entende que, da forma que está, o texto é frágil e atropela diversos itens importantes da gestão documental. Ele reforça que, se o processo de gestão não for implantado no momento de digitalizar os documentos, o governo só irá transferir custos, à medida que vai gastar para tornar digital papéis que têm um tempo de guarda curto e que poderiam ser extintos em poucos anos.
— Entendemos que a digitalização é boa, mas que ela tem que ser pensada junto à gestão de documentos — observou Barbosa.
Colnago, do Ministério do Planejamento, explica que a intenção do governo é manter todos os documentos históricos e, se o projeto for aprovado, criar uma força-tarefa para gerir e digitalizar todo o restante. Isso incluiria, segundo ele, o respeito ao tempo de guarda dos documentos pelo período necessário após a digitalização:
— Os documentos que não têm valor histórico, desde que com atesto de que têm igual valor ao papel, poderiam ser descartados. Seria mantido todo o valor informacional.

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