Os bancos estão cortando os cartões de crédito dos
clientes que julgam ser de maior risco, especialmente os das classes
mais baixas. Só os dois maiores do País – Banco do Brasil e Itaú
Unibanco – retiraram de circulação 1,2 milhão de cartões nos primeiros
quatro meses deste ano, segundo dados informados pelas próprias
instituições.
Na comparação com os quatro primeiros meses de 2016, a
queda foi ainda maior. A base de cartões do BB caiu de 22,2 milhões
para 17,2 milhões e a do Itaú recuou de 32,1 milhões para 28,9 milhões.
Bradesco e Santander não abrem os números sobre a emissão e retirada dos
cartões, mas executivos dizem que as instituições passaram a excluir
clientes mais arriscados para diminuir os juros e as taxas do crédito
parcelado, a nova modalidade que o governo impôs no lugar do crédito
rotativo.
Símbolo da ascensão da classe C ao mundo do consumo, o
uso de cartão de crédito dá sinais de exaustão diante da recessão e da
cautela dos operadores com o calote que chegou aos 40% no crédito
rotativo. “A gente vem observando redução da base total de cartões
porque há uma maior seletividade por perfil de risco. Nós temos abdicado
dos clientes de maior volatilidade e focamos em clientes com menor
risco. Além disso, temos visto muita gente saindo do mercado por
inadimplência”, diz o diretor-executivo de cartões do Itaú Unibanco,
Marcos Magalhães.
O mesmo fenômeno acontece em outras instituições
financeiras, especialmente as que mais sofreram com a inadimplência.
Banco do Brasil e Santander preferiram não se pronunciar oficialmente.
A Caixa é a única exceção porque ainda sofre para
aumentar a adesão dos clientes aos cartões do banco. Teve alta ligeira
de 200 mil cartões de crédito nos quatro primeiros meses deste ano e de
700 mil na comparação com o primeiro trimestre do ano passado. Mesmo
assim, o banco estatal tem ainda uma carteira de apenas 7,2 milhões de
cartões de crédito, a menor entre as grandes instituições.
No Bradesco, o número de clientes ativos não chegou a
cair, mas cresceu o bloqueio de cartões por atraso no pagamento. “Esses
clientes não conseguem fazer compras até que voltem a pagar. Se o
atraso atingir 60 dias, a gente cancela o cartão”, diz o diretor de
cartões do Bradesco, Cesario Narihito Nakamura. O problema de atraso no
pagamento aconteceu inicialmente entre clientes de menor renda ou sem
renda fixa.
Surpresa no caixa.
Joe Weider Ferreira, encanador autônomo de Sorocaba, teve uma surpresa
no caixa do supermercado semanas atrás. “Meu cartão antigo venceu e
fiquei esperando o novo. Fomos ao mercado com o cartão da minha mulher
e, ao tentar pagar a conta de R$ 50, vimos que o dela também estava
bloqueado.” Sem aviso prévio, o cartão emitido pelo supermercado tinha
sido cancelado e, naquele momento, não passava de um plástico colorido
sem função. “Foi chato. Eu tinha há dez anos. Já comprei televisão,
máquina de lavar e celular com ele.”
Uma década atrás, quando Ferreira recebeu o cartão
oferecido pelo supermercado, o setor vivia uma época de ouro. Dados do
Banco Central mostram que, entre 2008 e 2010, operadoras emitiram e
enviaram quase 27 milhões de cartões aos brasileiros. Nessa época, o
Brasil emitia quase um novo plástico a cada dois segundos.
Os dados mais recentes do estoque de cartões ainda
são de 2015. Segundo o Banco Central, no acumulado, naquele ano, havia
165,2 milhões de plásticos no Brasil, número recorde desde o início da
série, em 2008. O BC, porém, ainda não divulgou os números do ano
passado.
Pressão. Embora os clientes relatem que estão sendo
feitos cancelamentos sem aviso prévio, os grandes bancos afirmam que só
cancelam os cartões por razões previstas em contrato, como atraso no
pagamento. Mesmo sem cancelar unilateralmente, algumas operadoras usam
de outras estratégias para pressionar o cliente a desistir do cartão,
como diminuir o limite ou aumentar a cobrança da taxa de anuidade.
O diretor-executivo da Associação Brasileira das
Empresas de Cartão de Crédito (Abecs), Ricardo Vieira, reconhece que o
cenário macroeconômico afeta o setor como outras áreas da economia. O
executivo explica, porém, que a entidade não tem dados sobre o número de
cartões em circulação e prefere observar indicadores como faturamento e
volume de transações. “Esses indicadores vão na contramão e continuam
crescendo, mas isso não indica que não poderia estar acontecendo essa
redução do número de cartões”, disse, ao comentar que alguns bancos
podem estar “realizando movimento de limpeza da base de clientes”.
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