Consultor de empresas resolveu falar de um problema de vazamento de água de uma forma diferente
Luiz Carlos ensina: "Não adianta você agredir as pessoas". Foto: Breno Fortes/CB/D.A Press |
Aos 64
anos, um mineiro de porte médio, cabelos longos e olhos azuis surpreendeu
funcionários da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb).
Com um vazamento de água em casa, no Lago Norte, Luiz Carlos Garcia resolveu
utilizar a gentileza para pedir uma solução. Escreveu uma poesia com 40
estrofes, quatro versos cada, e uma aula de delicadeza. Como consequência, teve
o problema resolvido e recebeu outra poesia como resposta, desta vez, redigida
por Aline de Freitas Santos, 46 anos, supervisora do escritório de atendimento
de Brasília da Caesb.
No poema,
o consultor de empresas deixou a sensibilidade falar num burocrático
requerimento administrativo. No lugar das expressões inflamadas e raivosas,
comuns quando se faz uma reclamação, ele deixou a poesia fluir e tratou de um
assunto incômodo: o desperdício de água. “Eu percebi que a conta estava muito
alta para alguém que vive sozinho e mal fica em casa. O valor da minha conta,
que antes chegava aos R$ 380, saltou para R$ 1.150 sem justificativa.”
“Eu me
incomodava com o valor, mas muito mais com o gasto de água”, destaca.
Apaixonado por poesia e acostumado a presentear pessoas queridas com os textos
que escreve, ele resolveu transformar a reclamação em arte. Em 7 de março,
redigiu à mão uma carta endereçada ao presidente da companhia. “Meu filho disse
que não surtiria efeito, mas eu acreditei.”
A carta
de Luiz Carlos Garcia
Senhor
Presidente
Venho mui
respeitosamente à presença de vossa senhoria para apresentar e requerer o que
se segue:
Venho à
vossa senhoria
externar
o que me aborrece
se não
pode perseverar
aquilo
que me entristece
Continua..
O
hidrômetro que marca e conta
a água
que aqui consumo
é como
fumaça que espalha
de um
cigarro que não fumo
Desde que
foi instalado
o novo
tecnológico instrumento
a cada
leitura nele feito
perco até
os movimentos
Preocupado
com a conta
que
sempre me mostra aumento
até
contratei uma empresa
que se
diz caça-vazamento
Na
verdade o que queia
na
lucidez do momento
era
encontrar uma forma
para
estancar o tormento
E um
trabalho dedicado
puseram-se
os homens a fazer
na busca
de saber se o indicado
eles
poderiam resolver
Depois de
muito procurar
em canos,
válvulas e torneiras
disseram-me
algo encontrar
que
explicasse d'água a peneira
Puseram-se
então a falar
na rede,
este trecho é o problema
se os
canos daqui, for trocar
resolvemos
o seu dilema
Cem
metros de cano comprei
cola,
lixa e conexões
depressa
do comércio voltei
atendendo
as orientações
Fizeram
toda tarefa
da rede
modificar
depois
foram-se embora
p'ra
outras casas visitar
Grande
foi a minha surpresa
que nem
sei como contar
fui
consultar o hidrômetro
e ver o
que ele estava a marcar
Quando o
olhei atentamente
com tudo
na casa fechado
lá estava
o renitente
a se
mover, desesperado
Acreditar?
já não podia
naquilo
que ali, eu via
restou-me
naquela agonia
me apegar
n'alguma magia
Aqui moro
sozinho
sem
filhos, mulher, empregado
não lavo
roupas, nem cozinho
só no
banho, o líquido é usado
Nem para
beber uso água
que da
rede aqui deságua
das
minerais me abasteço
e disso
não guardo mágoa
Também
não recebo visitas
que a
água pudessem consumir
por isso
procurar respostas
é no que
preciso insistir
Minha
casa é bem pequena
apenas
cem metros quadrados
nela só
faço dormir
e
preservar meus guardados
Não levo
os jardins a regar
nem
carros eu deixo lavar
calçadas
com a água esfregar
por onde
esta água escoar?
Faxino a
casa com balde
e um pano
p'ra no chão passar
diz minha
consciência em alarde
a água é
p'ra se economizar
Uma coisa
é verdade
que aqui
preciso indagar
como pode
uma só pessoa
tanta
água no mês gastar?
Um
mistério se formou
se esta
água aqui entrou
se dela
pouco se usou
a maior
parte evaporou?
A vários
vizinhos perguntei
e a
pessoas que conheço:
da água
que consomem por mês,
na conta
vem qual o preço?
Quando
minha conta os mostrei
consternação
demonstraram
ao sentir
o quanto assustei,
procure a
Caesb, falaram
Até mesmo
em casas grandes
de
famílias numerosas
os
valores lançados nas contas
não são
de montas onerosas
Em outros
tempos diria
quando a
rede era antiga
mesmo
achando água cara
a conta
era bem mais amiga
Depois
dessa rede mudada
p’ra
outra que diferença não vi
me chega
a conta inusitada
a cobrar
o que não consumi
Recibos
passados eu junto
para
sustentar o que escrevo
pois como
um bom cidadão
sempre
pago o que devo
A Caesb é
empresa séria
não há
dúvidas que eu levante
então
nesta minha história
o
hidrômetro é o meliante
Sei que
não posso acusar
se provas
me estão a faltar
mais se a
suspeição está no ar
é preciso
investigar
Peço a
vossa senhoria
que mande
me socorrer
pois se a
conta assim ficar
de
infarto posso morrer
Com
licença, peço aos peritos
dessa
Companhia honrada
para o
indivíduo estudar
e esta
situação aclarar
Com suas
técnicas e instrumentos
sobre o
dito cujo, aplicados
saberemos
se seu trabalho
é correto
ou é viciado
Se
inocente estiver
desculpas
já devo pedir
mais
recolhido deverá ser
se nele a
culpa recair
Se
comprovado, o erro for
de quem o
consumo media
devolva-me
com prontidão
o que
paguei e não devia
Ou se
preferir modo outro
proponho
a vossa senhoria
descontar
o tal valor
quando
faturar a Companhia
Pois se
assim não for feito
outro
caminho não há
se não o
de ir a justiça
o meu
direito reclamar
Rogo
vossa senhoria
uma
providência tomar
pois não
é justo essa conta
eu ter
que continuar a pagar
Assim,
deixo o meu pedido
em forma
de poesia
se
escrever é uma arte
que me
enche de alegria
E, antes
que se faça tarde
neste
tempo, o que pronuncia
antecipo
meus agradecimentos
junto a
vossa senhoria
Como nos
ensina a lição
que nos
vem d'antigamente
despeço-me no último verso
A
resposta de Aline Freitas dos Santos
Sr. Luiz
Carlos
Em
resposta à sua manifestação
Sob o n.
1.723/2016 protocolada
Na qual
nos chamou atenção
O
brilhante uso da nossa língua falada
Vimos
pelo presente documento
Apresentar
os resultados apurados
Na
esperança de que com esse intento
Encerremos
os seus desagrados
A fim de
verificar
A
situação apresentada
Pusemo-nos
a vistoriar
As
instalações internas afetadas
E eis que
ficou constatado
A
ocorrência de um vazamento
Comprovadamente
sanado
No mais
curto espaço de tempo
Para
assegurar um fornecimento
Contínuo,
lhano e escorreito
Fora
instalado um equipamento
De
precisão, em seu conceito,
E ao fim
de 58h constantes
Registrou
o importante instrumento
Não haver
na rede pressões variantes
Que
provocassem um derramamento
Desta
forma, concluímos que o vazamento
Ocorrido
em sua residência
Tratou-se
de um fortuito acontecimento
Lamentável
em sua essência
E,
atendendo a Resolução da Adasa
Que
norteia os procedimentos desta Casa
Foram
concedidos os descontos possíveis
Aos casos
de vazamentos imperceptíveis
Estão
creditados para os próximos faturamentos
Valores
resultantes das revisões das contas
Limitadas
a dois consecutivos eventos
Com prazo
de 12 meses para nova remonta
Mas
sabendo dos hábitos conscientes
Por V. Sª
praticados
Certamente
não será recorrente
O evento
outrora cessado
Pessoalmente
quero aqui registrar
Minha
admiração e meu mais profundo respeito
Posto
que, lamentavelmente, não é comum encontrar
Quem faz
do uso da palavra um belo feito
Compartilhando
da mesma paixão
Me
despeço com leniência
E digo
com admiração
Receba
minha reverência
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